Para discutir sobre as lutas no campo brasileiro, conversamos com Bernardo Mançano, geógrafo, professor Livre Docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Presidente Prudente, e um dos principais pesquisadores dos movimentos que lutam pela terra. O bate-papo aconteceu no Recife, durante o Seminário Internacional de Geografia Agrária (SINGA), que reuniu centenas de estudantes e pesquisadores de Geografia. Durante cinco dias os participantes debateram sobre os desafios, a conjuntura política atual e os desafios da academia, sobretudo para a área da geografia, para o próximo período. Entre as programações, Bernardo Mançano participou da mesa “Movimentos socioterritoriais: teoria e luta”. Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, o professor falou sobre os desafios frente ao Governo Federal e sua política de extermínio dos territórios da Reforma Agrária.
Brasil de Fato (BdF): Sobre as questões e as disputas agrárias no Brasil, qual o impacto do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL), sobretudo para a vida dos camponeses?
Bernardo Mançano (BM): Os impactos são os piores possíveis, porque nós estamos diante de um governo neoliberal extremista fascista e ele vai destruir todas as políticas públicas e vai tentar destruir todos os territórios camponeses. O governo de Bolsonaro está dentro de uma tendência de um paradigma do capitalismo agrário que só acredita no agronegócio. Então, ou você se transforma em agronegócio ou você desaparece, é isso que ele quer. Como o campesinato não pode se transformar no agronegócio, então o Nabhan Garcia [secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura] vai atacar os assentamentos, a Tereza Cristina [Ministra da Agricultura] vai atacar a agricultura familiar.. estão todos preparados para atacar.
Agora, nós somos muito mais fortes e estamos resistindo. Por exemplo, a criação de políticas públicas de comercialização, a própria luta pela terra pela estratégia dos movimentos de fazerem acampamentos próximos às cidades e criar os Armazéns do Campo e ficar dialogando e oferecendo comida saudável são a nossa força. Enquanto a força deles é a destruição, a nossa é a construção. Será um período difícil, mas nós vamos avançar.
BdF: Existe alguma relação do governo com o aumento da violência no campo?
BM: Sem dúvidas. Nós temos que tomar muito cuidado neste período, porque este é um governo que cria ódio e mentira. Eles não pensam duas vezes em matar as pessoas. O próprio símbolo do governo é a arma e que tem motivado a violência. Temos que estar espertos e atentos para não morrermos atacados pela política ou pela ideologia. Temos que estar unidos, defender o diálogo e atacar o governo de forma organizada.
BdF: Qual o papel e o desafio das universidades frente aos movimentos populares?
BM: As Universidades e a academia como um todo têm o papel de formação. Mas, é uma formação vinculada com os movimentos, porque eles produzem muitos conhecimentos, produzem políticas públicas, estratégias.. as universidades portanto, não podem tratar os estudantes que vêm dos movimentos, por exemplo, como estudantes comuns. Isso porque eles são estudantes que são organizados e militantes, o que requer a construção de um conhecimento com um direcionamento de transformação também do território de onde ele vem. Se eu tratá-lo como aluno comum, eu perco uma potencialidade enorme de transformação da realidade. A academia não pode se furtar de transformar a realidade.
BdF: Qual a importância dos símbolos e da memória das lutas?
BM: Nós não vivemos sem as memórias. Nós não existimos sem as memórias. As memórias constroem a minha perspectiva de futuro, são elas que me mantém no presente. Se eu não tenho memória, se não tenho referência, eu sou uma pessoa ignorante. Não tenho direcionalidades, nem perspectivas futuras. Então, manter a memória e conhecer a história é a condição de construir a dignidade.
BdF: Como você avalia o papel dos movimentos socioterritoriais nesta conjuntura? qual a estratégia para sobreviverem ao próximo período?
BM: Quando o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) fala da “resistência ativa”, é uma resistência que você está produzindo o território o tempo todo. É estar todo tempo construindo novos projetos, dialogando com a sociedade, todo tempo produzindo comida, conhecimento, novas relações, né? É nesse momento em que estamos sendo atacados que nós temos que ser mais ativos. E isso é muito interessante, porque às vezes eu tenho a impressão de que nesse momento estamos crescendo mais. Estou vendo tanta coisa acontecer que fico pensando “gente do céu, em outros tempos estávamos mais quietinhos, mais tranquilos… agora não paramos um segundo, estamos querendo lutar”.
Edição: Marcos Barbosa | Recife (PE)