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Parcialidade

Operação da PF prende ex-governador da Paraíba; investigação é criticada por juristas

Esta semana a Operação Calvário prendeu políticos progressista; um dos alvos é o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB)

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Todas as pesquisas eleitorais visando a disputa da prefeitura de João Pessoa, em 2020, colocam Coutinho como favorito
Todas as pesquisas eleitorais visando a disputa da prefeitura de João Pessoa, em 2020, colocam Coutinho como favorito - Foto: Reprodução

A Operação Calvário, que investiga desvios na educação e na saúde públicas da Paraíba, faz uso da "mesma prática ilegal da Lava Jato". Esta é a opinião do advogado paraibano Alexandre Guedes, que acrescenta que a ação "colocou interesses políticos acima das garantias constitucionais". Como parte da 7ª etapa da Operação Calvário, nesta sexta-feira (20), o ex-governador da Paraíba Ricardo Coutinho (PSB) foi preso ao desembarcar em Natal, no Rio Grande do Norte. Ele retornava de uma viagem familiar à Europa e já era esperado por policiais.

Deflagrada pela Polícia Federal na última terça-feira (17), a 7ª etapa da operação realizou 54 mandados de busca e apreensão e 17 pedidos de prisão preventiva nos estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Paraná e Goiás.

As denúncias do Ministério Público Federal (MPF) são direcionadas a Organizações Sociais (OS) que operam no sistema de saúde da Paraíba. Além de agentes políticos, incluindo o governador João Azevedo (PSB), alvo de busca e apreensão de material na residência oficial e no palácio do governo, e também contra o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB), que esteve à frente do Executivo paraibano de 2011 a 2018 e hoje preside a Fundação João Mangabeira, do PSB.

Coutinho antecipou sua volta ao Brasil após ter seu pedido de prisão preventiva decretado e ter seu nome incluído na lista da Interpol, que atua na cooperação internacional entre polícias.

A operação busca provas de uma suposta organização criminosa que, segundo investigação do Ministério Público Federal, frauda licitações e desvia recursos públicos da saúde, superfatura equipamentos, serviços e medicamentos. Também há a denúncia de fraude em concurso de seleção de pessoal e direcionamento de atendimentos com fins eleitorais.

O dinheiro, segundo a denúncia, é utilizado para financiar campanhas eleitorais. Os desvios seriam de mais de R$ 130 milhões, sendo mais de 90% destinados às campanhas eleitorais de 2010, 2014 e 2018. As fraudes, segundo o MPF, ocorriam nos contratos de gestão do Hospital Metropolitano, no município de Santa Rita; e no Hospital de Trauma, em Mamanguape; ambos na região metropolitana de João Pessoa.

Métodos ilegais

Para o consultor político e professor do departamento de História da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Flávio Lúcio, desde o início do ano, a Operação Calvário vem cometendo uma série de ações questionáveis. Ele recorda que a investigação, ao prender um assessor da então secretária de Administração do Governo da Paraíba, Livânia Farias, descumpriu a legislação e foi denunciada por tal ato. "Apesar de ele [o assessor] ter curso superior e, portanto, ter direito a condições especiais na prisão, colocaram ele numa penitenciária comum. E só retiraram quando ele fez uma delação. Depois prenderam a secretária, que também só foi solta após fazer acordo de delação. Mesmo método da Lava Jato", relaciona.

Na ocasião, em abril, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) se pronunciou sobre aquela etapa da operação, demonstrando "indignação e repúdio" ao uso, pela Operação Calvário, dos métodos da Lava Jato. A nota afirma que a prisão de Livânia foi "ilegal; com combinação entre acusadores e julgadores; vazamento seletivo [de informações da operação]; coerção, chantagens e tortura psicológica".

A ABJD também afirmou que os métodos são ilegais, pois violam a presunção de inocência e ampla defesa, visando obter declarações que reforcem a tese da acusação do Ministério Público, sem a necessidade de provas.

Os alvos da esfera política pertencem, todos, ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), que no estado da Paraíba hegemoniza o campo político composto ainda pelo PT, PDT, PCdoB, Rede e outros.

Prisões questionáveis

Também entre os presos estão o irmão de Coutinho, Coriolano; ex e atuais secretários do estado; a prefeita de Conde, Márcia Lucena (PSB); e a deputada estadual Estelizabel Bezerra (PSB), que foi solta após autorização da Assembleia Legislativa.

Um dos exemplos, a prefeita do município de Conde, Márcia Lucena, se destacou como secretária estadual de Educação e, desde 2017, tem feito uma gestão municipal também elogiada, favorita à reeleição em 2020. Mas agora está presa desde a terça-feira (17).

A deputada estadual Estelizabel foi candidata derrotada à prefeitura de João Pessoa em 2012, ganhou projeção e foi eleita deputada estadual em 2014. Em relação à prisão da parlamentar, o consultor político Flávio Lúcio destaca que a Operação violou as leis. "A Constituição do estado da Paraíba, assim como a Constituição Federal, não permite a prisão de parlamentares sem autorização da casa parlamentar. Mas o que fizeram com ela foi o inverso: prenderam a deputada e depois notificaram à Assembleia Legislativa, que desautorizou a prisão e ela foi solta", pontua.

Já o ex-governador Ricardo Coutinho, apesar das rusgas com o seu sucessor João Azevedo, continua como principal liderança desse campo na Paraíba. Todas as pesquisas eleitorais visando a disputa da Prefeitura de João Pessoa, em 2020, colocam Coutinho como favorito. "Ele não confirmou a candidatura e tem declarado apoio ao deputado federal Gervásio Maia (PSB). Mas o que todas as pesquisas mostram é um amplo favoritismo de Coutinho. A avaliação é de que ele seria imbatível", destaca Flávio Lúcio. Seu balanço dos meses de Operação Calvário é que "desde o início a operação só atacou um dos lados políticos aqui do estado".

O jurista Alexandre Guedes também critica a atuação do Ministério Público Federal (MPF) no caso. "Após meses desde o início desta operação, causa estranheza que se tenha optado por pedidos de prisões preventivas, quando se poderia haver a obediência aos ditames do processo penal, com oferecimento de denúncia e posterior defesa dos acusados e acusadas", afirma Guedes. "A prisão preventiva é algo de uso excepcional", completa.

Para ele, "as determinações já demonstraram estar fora dos parâmetros do Estado democrático de direito e são usadas como espetáculo midiático para influenciar a opinião pública, passando por cima dos limites da legalidade", completa o jurista.

O consultor político Flávio Lúcio critica, em nível federal, a atuação dos governos progressistas em relação ao que ele chama de "ação corporativa" do Poder Judiciário. "Foram muito permissivos. Não houve uma resposta adequada. Primeiro foi o "Mensalão", depois a prisão sem provas de José Dirceu, depois a Lava Jato, o impeachment e o próprio Lula", avalia.

O ex-presidente Lula, inclusive, criticou a atuação do MPF e prestou solidariedade a Ricardo Coutinho durante ato com artistas no Rio de Janeiro, na noite da terça (17). Lula criticou a inclusão do nome de Coutinho na lista da Interpol e o pedido de prisão preventiva. "Que se prove que ele é culpado, não por uma declaração de um delator, mas pelas provas e pelos autos do processo", disse Lula.

Ao ser questionado sobre a posição do campo progressista da Paraíba nesse próximo momento, já que a eleição municipal bate à porta, Flávio Lúcio comparou com o caso da prisão de Lula e disse que só vê o caminho da mobilização. "Não sabemos ainda o que vai acontecer ou quanto tempo isso vai durar. Mas eles precisam responder". Sobre a disputa da Prefeitura de João Pessoa, ele avalia que é preciso dar solidez ao campo político, com PSB, PT, PCdoB, PDT, buscar o PSOL e outros partidos.

Embate eleitoral

E ressalva que o desgaste de Coutinho não necessariamente dá vantagem ao outro lado. "Os outros grupos políticos não são referências em moralidade. Até o candidato do PSL, o radialista Nilvan Ferreira, tem processos de sonegação, venda de roupa falsificada e outras coisas", afirma. "Mas eles têm a imprensa", pondera Flávio Lúcio.

Na terça-feira, na Câmara Federal, o deputado Gervásio Maia (PSB) -- agora provável candidato ao executivo de João Pessoa --, destacou as conquistas das gestões de Coutinho, pediu respeito ao processo legal e, diante do deputado federal Pedro Cunha Lima (PSDB), afirmou que lembra "de uma época em que quem desagradava o governador 'ia pra bala'. Seu avô e ex-governador Ronaldo Cunha Lima atirou na cara do ex-governador Tarcísio de Miranda Muriti. É essa política que vocês gostam e aceitam no país?!", questionou Gervásio.

O socialista também mencionou o hoje senador Cássio Cunha Lima (PSDB). "E o seu pai, que foi cassado por corrupção no exercício do cargo de governador da Paraíba?!", provocou, mencionando ainda um episódio em que notas de R$100 foram jogadas pela janela quando a Polícia Federal foi a um escritório usado pela campanha tucana ao governo estadual. O PSDB da família Cunha Lima é o principal partido da direita na Paraíba, mas domina a região de Campina Grande.

Edição: Marcos Barbosa e Vivian Fernandes