São mais de 400 anos de exploração de recursos naturais no território brasileiro. Dentre o passado secular do período colonial e passado recente do neoextrativismo, a ganância de quem controla a mineração coloca em xeque vidas humanas e o meio ambiente. Movimentos populares que atuam no debate sobre a mineração estão cobrando mais prudência e equilíbrio na extração de minérios no Brasil.
O que podemos contextualizar sobre os impactos sociais e ambientais de empreendimentos como o Projeto Carajás (PA), ou mesmo das corridas de garimpo de ouro, mineração de urânio, polo gesseiro, extração de carvão, catalão, amianto e mármore no Brasil? Algumas vozes preferem reproduzir única e exclusivamente os números comerciais sobre o assunto, no país que ocupa a segunda posição no mercado mundial do setor.
Reconfigurar a lógica predatória e ameaçadora de vidas da megamineração não é tarefa fácil. Além do poder político de quem controla as empresas do setor, o debate e os olhares sobre a mineração precisa ser popularizado. Há setores da academia e da imprensa, por exemplo, que evitam uma abordagem crítica e contextualizada da mineração sobre temas como concentração de renda, conflitos com comunidades, destruição da natureza e ameaças constantes de vidas.
“Onde circula o objeto industrial? Circula na cidade. Então o debate da mineração precisa se dar na cidade como espaço de realização desse objeto que veio da natureza e se realiza como objeto ideológico, de consumo, como um objeto industrial. Nós pensamos dessa forma. Nós saímos da ideia de ficarmos muito limitado ao território, e estamos propondo um movimento de luta mais amplo”, analisa Charles Trocate, representante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
Os próprios episódios de desastres nas cidades mineiras de Mariana e Brumadinho, em 2015 e 2019, respectivamente, geraram visibilidade midiática, mas Charles Trocate lembra que ao mesmo tempo ainda se faz necessária uma contextualização crítica para além do sensacionalismo nas coberturas. Charles fez uma contextualização sobre o conceito da rodagem perpétua do capital (etapas entre a extração de recursos naturais e o consumismo) na perspectiva complexa do poder da mineração.
“Ou se controla de maneira a transformá-la ou qualquer tentativa de controlar partes dessa rodagem é impraticável. Essa rodagem do capital vai provocar uma ruptura metabólica. Um esgotamento da possibilidade de uma sociedade industrial moderna ao ritmo da extração das riquezas e transformação delas em mercadorias”, pontuou o representante do MAM.
O olhar para além do território da mineração também fez parte da questões levantadas por Ricardo Gonçalves, do Núcleo Política, Economia, Mineração, Meio Ambiente e Saúde (POEMAS) da Universidade Estadual de Goiás. Ricardo lembra que o período do neoextrativismo na América Latina iniciou na década de 2000, atendendo mais os anseios de um mercado internacional que aos próprio países exportadores.
Ricardo questiona o sentido do neoextrativismo no Brasil para além de uma corrida pelo lucro, quando o aumento de conflitos e perspectivas retrógradas na mineração nem sempre podem ser associada ao “boom” das exportações iniciadas na década de 2000. O representante do POEMAS destaca ainda os desafios do tema da mineração para os geógrafos, indicando perspectivas críticas e de potencialidade transformadora na realidade.
“Nós não compreendemos a mineração e seus impactos apenas na mina. Não é uma atividade que possui implicações cirúrgicas, ou seja, reduzidas à mina. Nós compreendemos essas unidades e suas implicações territoriais a partir das redes globais extrativas”, destaca Ricardo ao incluir minerodutos, ferrovias, barragens de rejeitos e portos como partes de uma rede integrada da atividade extrativista.
A mexicana Aleida Azamar Alonso, da Universidad Autónoma Metropolitana-Xochimilco, critica a lógica da mineração na América Latina, em que os dados sobre acidentes são embaçados e desconsiderados. Aleida cobra mais popularização sobre os dados de lucro de grupos empresa, exploração trabalhista e perseguições políticas a quem defende lógicas mais equilibradas na extração.
Ela aponta o cinismo feito por empresas mineradoras e a mídia mexicana mesmo diante do vazamento do Golfo do México, em 2010, a exemplo de alguns porta-vozes trazerem mais preocupações sobre o tempo em que podem continuar extraindo recursos naturais ao de uma possível preocupação com os impactos sociais, humanos e ambientais dos acidentes causados.
Sobre a sensatez no ritmo da mineração, Aleida categoriza três níveis: 1) sensato; 2) depredador; 3) dispensável. “Dentre os países que extraem os recursos naturais, mais de 50% são para exportação. Além disso, para extrair um recurso natural, muitas vezes se necessita de extrair outros. O volume da extração é muito maior que o da exportação. E isso está em toda a América Latina”, identificou.
Atualmente, movimentos populares contra a mineração estão alertando sobre os riscos de novos empreendimentos, a exemplo do projeto de uma usina nuclear em Itacuruba (PE). Às margens do Rio São Francisco, o empreendimento ameaça comunidades tradicionais indígenas, quilombolas, pescadoras e de agricultura familiar, além do bioma da caatinga na região.
* A matéria foi escrita durante o IX Simpósio Internacional de Geografia Agrária (SINGA) no Recife.
Edição: Marcos Barbosa