A criação de uma via pública não pavimentada no bairro de Barra de Jangada abriu um novo ponto de debate sobre a ocupação do litoral pernambucano. No dia 10 de janeiro deste ano, o jornalista Eddie Rodrigues se deparou com máquinas e trabalhadores despejando britas e material arenoso em plena areia da praia. Eddie foi uma das pessoas a acompanharem a formação da pista nas proximidades de placas de alerta sobre local de desova de tartarugas.
A obra rendeu mobilização popular e pedido de impugnação. A Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes iniciou a remoção da via após recebimento de intimação do TCE no último 28 de janeiro. O documento consta de protocolos como ausência de informações públicas sobre a abertura da via, supressão de área de restinga da praia, além de ausência de licenciamento ambiental. A Prefeitura também está sendo notificada a apresentar informações sobre a obra.
A via foi aberta pela Secretaria Executiva de Serviços Urbanos e, além do TCE, o pedido de remoção foi acatado pelo Ministério Público de Jaboatão dos Guararapes e pela Agência Estadual de Meio Ambiente. Enquanto movimentos populares, estiveram à frente o Movimento Salve Barra de Jangada, Meu Mundo mais Verde e Salve Maracaípe.
As críticas feitas pelos movimentos sobre a abertura da via acendeu também o tema do acompanhamento popular sobre as formas de ocupação urbana no litoral. De acordo com a Secretaria-Executiva de Serviços Urbanos de Jaboatão, a abertura da via no local da praia era temporária, enquanto outras duas vias estavam sendo pavimentadas, no caso as ruas Água Doce e Maria Digna Gameiro. Considerando as três vias em questão, é possível delimitar um terreno baldio após a Avenida Bernardo Vieira de Melo.
Dentro da questão, um dos alertas feito por especialistas é o cuidado com o processo de erosão marinha na orla da Região Metropolitana do Recife. Isso por conta da urbanização irregular nas últimas décadas, que acentuou o processo de estreitamento da faixa de areia no litoral. Em 2013, a prefeitura de Jaboatão dos Guararapes gastou R$ 42 milhões de reais com obras de drenagem para engordar a orla do município em mais de um milhão de metros cúbicos de areia.
"A ocupação urbana de Jaboatão dos Guararapes deu-se sem a preocupação de seguir um recuo seguro que deveria ser maior do que o existente, pois a maioria das edificações está sobre uma das áreas de recarga natural da areia das praias que são os terraços marinhos. Por esse motivo, antes de 2013, com avanço do mar, essas edificações ficaram sob risco e precisaram da regeneração artificial das praias com areia de jazida submarina", destaca Núbia Chaves Guerra, doutora em geologia, do departamento de Oceanografia da UFPE. A geóloga adverte ainda que não é recomendado nenhum tipo de obra em áreas de de praias que passaram por processo de engorda.
Os movimentos populares que estão acompanhando o caso propõem ainda uma legislação que delimite a altura das edificações próximas da praia, a exemplo do que está em vigor em João Pessoas, desde 1989. Na capital paraibana, é proibido construir edifícios com mais de 12,9 metros na faixa de 500 metros da orla. Além disso, sugerem modificações que amenizem a atual estruturação no litoral pernambucano.
“O recuo das construções é uma saída. Estudos técnicos apontam que os problemas de contenção de mar como os muros são resultado de construções irregulares que interferem no processo natural do transporte de sedimentos do mar”, destaca o gestor ambiental Felipe Meireles, especialista em auditoria e perícia ambiental.
Outro lado
A presença humana em áreas litorâneas não configura necessariamente em degradação. Um exemplo são as 75 famílias que viviam na Ilha de Tatuoca, até 2016. A comunidade tradicional vivia há pelo menos duzentos anos no local, antes da construção do Complexo Industrial do Porto de Suape, nos municípios do Cabo de Santo Agostinho e de Ipojuca.
“Diversas comunidades que tinham laços ancestrais com o território (como a que vivia na Ilha de Tatuoca, que hoje abriga dois estaleiros, um deles já desativado) foram confrontadas com um discurso colonial e racista de que a permanência delas no território era um entrave ao desenvolvimento. Um discurso violento acompanhando de práticas também violentas para assegurar a saída dessas comunidades e a apropriação dos seus territórios por grandes empreendimentos econômicos”, destaca Mariana Vidal, assessora jurídica do Fórum Suape.
Mariana destaca ainda a interrelação entre a violação do direito à moradia com outros direitos negados, como à alimentação, à água, ao trabalho, à identidade. Em nota, a Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes informou que a abertura da via pretendia facilitar a locomoção de viaturas e da Guarda Municipal em local com tráfico de drogas e prostituição.
Edição: Monyse Ravena