É possível encontrarmos registros “bem pernambucanos” sobre disputas de maior ou melhor espaço de fomento à leitura na Região Metropolitana do Recife (RMR). Partindo deste ponto de vista, a Biblioteca Popular do Coque ficaria bem abaixo na briga por metros quadrados ou mesmo arquitetura arrojada ao longo de décadas entre famosos empreendimentos da cidade. Ao mesmo tempo, a Biblioteca Popular do Coque é o maior e melhor espaço de leitura para a jovem Ana Beatriz Alves Dias, de 12 anos.
Beatriz é uma das cerca de 40 pessoas que, semanalmente, buscam letras e afinidades entre as prateleiras da Biblioteca Popular do Coque. Além da idade em comum, a leitora define o espaço comunitário como “sua segunda casa”, por se sentir acolhida e motivada pela leitura. A rotina no local inclui ainda participação em oficinas, brincadeiras, contação de histórias e mediação de leituras.
“Aqui na biblioteca eu posso sentar para ler e entrar no livro, na minha casa eu não faço isso, porque tem o barulho”, explica Beatriz. Por outro lado, a jovem reclama sobre os horários restritos da biblioteca da escola em que frequenta, chocando o funcionamento justamente com a carga horária em sala de aula. Por gostar muito de ler, Beatriz ainda confessa que consegue “escapulir” da aula de educação física para frequentar a biblioteca da escola, apesar de gostar mais do acervo da Biblioteca Popular do Coque.
O gosto de Beatriz pelas bibliotecas reflete gerações, quando nos anos 1980 a bibliotecária Bethânia Nascimento sonhava com um espaço para leitura na comunidade em que vive. Na época, o sonho não vingou porque, na visão de Bethânia, disputas político-partidárias levaram por água abaixo o projeto que ela iniciava, relacionando a leitura e a alfabetização com os processos de lutas por direitos básicos no Coque.
O tempo passou e Bethânia seguiu os estudos, casou e teve filhos. Em 2006, o sonho de abrir uma biblioteca foi novamente colocado em prática. Dessa vez, a “briga” para manter o espaço contou com mais articulações na comunidade, envolvendo igreja local, escolas e moradores. Hoje em dia se busca “política de Estado” e não “política de governo”, como ressalta Rafael Andrade, filho de Bethânia e um dos coordenadores da biblioteca.
As articulações da Biblioteca Popular ultrapassaram os limites territoriais da comunidade, oficialmente registrada como Ilha de Joana Bezerra. A busca pelo próprio conceito de biblioteca comunitária contou com troca de conhecimentos entre experiências de outras localidades da RMR. Bethânia lembra que as dificuldades em organizar um acervo ou mediar uma leitura foram superadas através de intercâmbios entre a Biblioteca Multicultural do Nascedouro de Peixinhos, Centro Educacional Popular Mailde Araújo (Brasília Teimosa) e Biblioteca Comunitária de Caranguejo Tabaiares.
A trocar conhecimentos fortaleceu também unidades políticas na luta pela democratização da leitura na RMR. É assim que a Rede Releituras completa uma década de existência, juntando nove bibliotecas comunitárias das cidades de Recife, Olinda e Jaboatão dos Guararapes. A extensão viva entre bibliotecas comunitárias da RMR deu mais passou em 2015, quando a Rede Releituras integrou a Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC).
A Biblioteca Popular do Coque é uma das 110 entidades que formam a RNBC e buscam sobrevivência no contexto restrito de políticas públicas para o setor. Assim como Beatriz cita o desejo de ler cada vez mais, a gestão da Biblioteca ressalta os desafios financeiros e políticos para a iniciativa.
Edição: Monyse Ravena