Nas décadas de atuação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra um dos grandes desafios é a produção (e posterior comercialização) dos alimentos. Os camponeses assumiram a tarefa de pensar uma matriz agroecológica para o país, em que sejam produzidos alimentos sem uso de transgênico e sem agrotóxico, sem reproduzir a lógica de monocultura do agronegócio, respeitando a terra e o ecossistema, além da divisão justa de trabalho e dos ganhos.
O MST, além de organizar e oferecer cursos para qualificar a produção numa região com dificuldades de abastecimento hídrico, o movimento enfrenta os desafios das demais famílias camponesas para escoar e comercializar sua produção. Sem estrutura de transporte, muitas vezes os agricultores ficam “reféns” dos preços estabelecidos por atravessadores, comerciantes intermediários entre o produtor e o consumidor. Pensar a questão de maneira coletiva ajudou a melhorar o quadro. O movimento ergueu uma agroindústria no Assentamento Normandia, em Caruaru, para receber a produção dos acampados e assentados, compartilhando os custos operacionais, reduzindo as perdas de produtos e ampliando os ganhos das famílias.
A agroindústria que serve como principal “banco” de alimentos do movimento em Pernambuco. São comprados alimentos produzidos por assentados ligados ao MST em todas as regiões do estado, mas também produtos de famílias agricultoras sem ligação com o MST.
A maior parte da produção é adquirida por prefeituras e pelo Governo do Estado, através de políticas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que estabelece que o poder público compre – através de edital público – um percentual mínimo de alimentos produzidos pela agricultura familiar para abastecer as merendas escolares. “Hoje temos garantido para onde vai a nossa produção. Isso dá tranquilidade financeira para as famílias”, conta Mauricéa Matias, que trabalha na agroindústria de Normandia. “Mesmo com os cortes de verbas dos últimos anos essa política pública segue fundamental”, pontua, lembrando ainda que muitas prefeituras não seguem as regras e “não compram um centavo das famílias camponesas”.
No fim de 2019 os agricultores ganharam um reforço. A alguns quilômetros de Normandia, mas no centro de Caruaru, o MST inaugurou uma unidade do Armazém do Campo, um mercado só com produtos orgânicos e agroecológios, que leva para a cidade os produtos da reforma agrária. Diferente do Recife, que tem a CEASA (Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco), Caruaru tem apenas uma feira de agricultura familiar, realizada sempre às quintas-feiras, bem cedo da manhã. Muito pouco para seus mais de 300 mil habitantes. “O agronegócio faz propaganda para dizer que a agricultura familiar não é sustentável. Mas o Armazém está aqui para mostrar que ela é sim, que damos conta”, afirma André Soares, coordenador do Armazém de Caruaru.
Severino Ramos, coordenador do Armazém do Campo do Recife, em atividade desde junho de 2019, avalia que esses meses têm mostrado que a experiência dos Armazéns têm muito fôlego para crescer. “Temos cadastrados 390 produtos nas prateleiras. Parte vem de outras regiões, como o arroz do Rio Grande do Sul, o leite de Santa Catarina, o café de São Paulo e Minas Gerais, o açúcar do Paraná. Mas a maior parte é produção daqui”, garante. “O feijão, que é 100% crioulo, é parte de Garanhuns e parte da Paraíba; a farinha é da Zona da Mata; o queijo, o abacaxi, as verduras e folhas são do Agreste; as raízes são também dessas duas regiões.”, diz Ramos.
Os Armazéns do Campo também se caracterizam por ser pontos de cultura. “É um espaço de diálogo com setores da população que às vezes pensam nos camponeses de forma marginalizada”, afirma André Soares. Severino Ramos completa. “Através da cultura dialogamos de maneira muito forte com as juventudes das periferias urbanas, especialmente nas sextas-feiras. Mas também temos um público mais maduro nas quintas. No sábado temos outro público com uma roda de samba e feijoada”, comemora.
Edição: Monyse Ravena