Pernambuco

MEMÓRIA

Ás vésperas do 8 de março, relembramos o protagonismo das heroínas de Tejucupapo

Em Pernambuco, historicamente, luta é palavra feminina

Brasil de Fato | Recife (PE) |
A batalha motivou filmes, documentários, música e está viva na memória da comunidade - Divulgação/Herança

É de Pernambuco o primeiro registro da participação de mulheres num conflito armado. A data não se sabe ao certo, mas foi por volta do dia 23 de abril de 1646 que cerca de 600 holandeses, com baixas após outras batalhas no Recife, com fome e sem muitas perspectivas de voltar ao país natal saíram pelo Forte Orange, na Ilha de Itamaracá, com destino à comunidade de Tejucupapo, hoje localizada no município de Goiana, na tentativa de roubar alimentos e outros mantimentos. Os holandeses acreditavam que o domingo seria o melhor dia para a investida, já que era dia de feira no Recife, local onde os homens da comunidade vendiam parte da produção e da pesca.
Não demorou muito para que a comunidade ficasse sabendo do ataque. A reação foi organizada pelas mulheres, sendo as principais lideranças Maria Camarão, Maria Quitéria, Maria Clara e Joaquina. Enquanto os pouco homens que ficaram na comunidade se preparavam para o combate a tiros, as mulheres ferveram água com pimenta nos seus tachos e panelas de barro e esperaram os holandeses nas trincheiras que haviam construído. A inteligência e a combatividade das mulheres foram o elemento surpresa na batalha, já que os holandeses não esperavam resistência no ataque. Ao fim do dia, depois de horas e litros de água fervente, os estrangeiros foram derrotados com uma baixa de quase metade da quantidade que chegou até a batalha. Assim, as heroínas pernambucanas marcaram a história da resistência contra a invasão holandesa no estado. 
Longe da história “oficial”, dos livros e grandes comemorações, o episódio é constantemente revivido através da cultura popular. A batalha motivou filmes, documentários, música e foi também estudado na Universidade. A jornalista Helena Dias estudou a comunidade e lá, percebeu um esforço coletivo do povo para manter a história viva “A memória está muito viva para as pessoas de Tejucupapo. Elas conhecem a história, até mesmo os mais jovens, mas o que movimentava mesmo a comunidade era o teatro” explica. A peça a qual Helena se refere é organizada e encenada na própria comunidade, na suposta data do ocorrido de 1646, mas o espetáculo foi descontinuado em 2014 por falta de incentivo dos órgãos públicos.  
A persistência na manutenção da história é uma resposta ao apagamento sistemático feito pelos europeus, já que há poucos registros oficiais da época e também uma forma de fortalecer a organização das mulheres, seja na luta pela sobrevivência, como foi em Tejucupapo; seja na atual luta contra os retrocessos e por mais direitos; ou seja pelo direito de escrever sua própria história, como relaciona Helena “é uma questão do lugar da mulher na história, na luta por liberdade, e pela revolução, no sentido de transformar a sociedade. Eu ligo isso [as heroínas] muito a luta feminista nesse sentido de ter um lugar de onde contar a história”, conclui. 

 
Herança

Fruto de um Trabalho de Conclusão de Curso do curso de jornalismo Universidade Católica de Pernambuco em 2016, o projeto experimental de Helena Dias e Kamyla Gomes, Herança, reúne perspectivas sobre o passado e o presente das mulheres de Tejucupapo, retomando histórias relacionadas à batalha e traçando um paralelo com as mulheres da comunidade, dando destaque para as histórias de Selma da Silva, Severina Brito de Oliveira, Eliane Santana de Albuquerque e Maria da Glória Rabelo, as mulheres da comunidade que interpretavam, respectivamente, Maria Camarão, Joaquina, Maria Quitéria e Maria Clara na peça teatral da comunidade. Além de documentar parte da história das mulheres, o projeto é uma forma de dar visibilidade e valorizar a história e o esforço da comunidade em manter sua história viva. Quem se interessou pode conferir o projeto na internet.

Edição: Monyse Ravena