Nesta sexta (03) o Brasil de Fato Pernambuco estreou o programa "Aqui pra Nós", um programa ao vivo na plataforma de vídeos Youtube de entrevistas apresentado por Iyalê Tahyrine e Phillyp Mikell. O tema foi o cenário político nacional e a situação social e econômica da população diante da pandemia do coronavírus. Os entrevistados foram a professora Evelyne Medeiros, do departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); e o advogado Ricardo Gebrim, dirigente da Consulta Popular. Confira os principais elementos da conversa:
Crise
Evelyne ressalta o papel político da pandemia num contexto de crise do capitalismo, que “revela uma das faces mais cruéis. O momento é de uma crise humanitária, porque o vírus não escolhe raça, gênero, nem classe social, mas as implicações dele sim. É discrepante olhar para as orientações do Ministério da Saúde e olhar para realidade das pessoas onde há um aprofundamento da desigualdade social, com um país onde 31 milhões de pessoas vivem sem água encanada, 5,8 mi sem milhões sem banheiro em casa, cerca de 41% de trabalhadores informais, e só agora vemos a população de rua, que é historicamente invisibilizada e que se torna uma questão sanitária para os governos”.
Para a professora, não é mais possível manter a cartilha neoliberal, que tem como modelo os Estados Unidos, que anunciou há algumas semanas que vem pedindo apoio ao Estado para lidar com a crise humanitária e econômica. Evelyne aponta que “isso mostra a incapacidade civilizatória desse projeto e que isso pode representar uma janela histórica”.
Isolamento político
Para Ricardo Gebrim, “a luta contra pandemia se converteu no centro da luta de classes. Isso porque a população de risco é o proletariado. Podemos concluir duas coisas até agora: a primeira é que provavelmente esse episódio vai ser um avanço da hegemonia chinesa contra os EUA, entendendo a China como uma experiência de transição para o socialismo, o que possibilitou que ela enfrentasse melhor os efeitos da pandemia em comparação com os países capitalistas”.
A segunda conclusão apontada é a abertura de uma “janela histórica”, que para o dirigente, tende a ser “transformadora, tanto para os povos, o que vai depender de como construímos as condições, tanto para os inimigos do povo. Nos momentos de choque, o capitalismo tenta se aprofundar. O governo Bolsonaro, que é neofascista, tem como objetivo o poder, não o governo apenas. O que Bolsonaro faz agora é uma aposta de alto risco, porque ao fim dessa crise, que não sabemos quando termina, mas já tem impactos, Bolsonaro vai afirmar que a culpa de tudo o que acontecer não é dele e sim dos governadores, no intenção de conquistar setores precarizados. Ele está perdendo apoio na classe média alta, e por isso se dirige a outros setores, mais precarizados. Essa notoriedade mundial que ele ganha na mídia, na declaração de outros presidentes, vem com o confronto à vida das pessoas. Até agora ele agita a possibilidade de acabar com o isolamento, mas não toma medidas jurídicas para isso. Pode ser que essa jogada dele, tão arriscada, dê certo, quando na profundidade da crise, surge nas mãos dele uma solução fácil, que é ainda mais autoritária. Por isso a saída dele da presidência é urgente”, projeta.
Fim do isolamento
Para Evelyne, as convocações de Bolsonaro para o povo ir às ruas não revelam apenas uma face perversa ou equilibrada do presidente, que vê a necessidade arriscar milhares vidas com a premissa de que isso vai alavancar a economia, o que é um erro, já que ela aponta que mesmo em governos neoliberais,esse crescimento econômico depende da população. Para ela, “a promoção do caos pode ser uma ferramenta para tomar medidas ainda mais autoritárias e talvez instaurar um estado de exceção”.
Um outro elemento apontado pela professores é a possibilidade de que com a crise, a população compreenda as limitações desse modelo de governo que aparentemente preza pela economia e não pela vida, como ela explica “ há um medo das pessoas perceberem a importância do SUS, de olhar para experiências como Cuba, China, que tem uma postura de Estado diferente nessa pandemia e que é possível viver com dignidade, o que descredibiliza esse projeto bolsonarista”. Para ela, as ações do presidente não são reflexo da escassez de recursos ou incompetência, mas um projeto.
Impeachment x Renúncia
Gebrim aponta que com o isolamento, a esquerda perde sua capacidade de mobilização “nós, as forças de esquerda estamos limitados a duas coisas: estar nas redes sociais conversando com as pequenas bolhas as quais temos acesso, compartilhando informações e fazendo propaganda política. A outra é bater panelas, mas há uma limitação que é que quem vai dizer por quem as panelas batem é a mídia comercial. As próprias frações da burguesias não estão coesas e nem seus líderes políticos. Ironicamente, Bolsonaro não está desmobilizado, e continua mobilizando pessoas. A situação é complexa. O Fora Bolsonaro é um posicionamento importante, mas precisa de ponderações, porque uma palavra de ordem podem ser impotente diante da pouca incidência política”.
Entre pressionar pela renúncia ou pelo impedimento do presidente, a posição dele é evidente “Se estamos falando em democracia, o mais adequado é o Impeachment. Nesse conflito dentro da burguesia, para a esquerda ser coerente com o conceito de que a luta de classes agora é a defesa da vida do proletariado, é contraditório defender a permanência de Bolsonaro. Estamos assumindo essa pauta sabendo que há um limite que é a nossa incapacidade como esquerda de influir nos rumos desse impedimento. O impeachment não é impossível, mas é muito provável, porque interessa a setores da burguesia no governo aprofundar o caos. Mas o Bolsonaro é imprevisível, tanto que os erros dele podem o conduzir ao Impeachment”.
Esquerda e solidariedade
Evelyne aponta que o momento é de se proteger, mas tentando dar saídas políticas possíveis para a população mais vulnerável “nós defendemos a importância do isolamento para salvar vidas, mas é importante não cruzar os braços, porque é necessário contribuir a partir das iniciativas de solidariedade com as condições de vida para pessoas que não tem a opção de se manter em isolamento. Com recurso, com cuidado, com informação, estamos vendo que é possível desenvolver ações porque milhões de vidas dependem disso agora”.
Para ela, as ações de solidariedade tem um caráter progressista, o que contrasta com a forma como o capitalismo opera “Esse momento deixa explícito que a burguesia se apropria de coisas que não são delas, como a solidariedade. Valores coletivos e solidários não cabem no pensamento capitalista, porque ele prega o individualismo e o egoísmo e não se mistura com algo que é anticapitalista, que é a defesa da vida do povo”.
Ela aponta que o surgimento das ações em todo país demonstram a falta da ação do Estado “As ações sozinhas não resolvem o problema, isso é papel do Estado. Cada vez mais, é função de quem se coloca como lutador do povo, exigir medidas de curto, médio e longo prazo para a economia, como a revogação da EC 95, a suspensão da dívida pública”.
Para Gebrim, o papel é simples, “O papel mais revolucionário agora é se preservar. Se falamos em janela histórica, vamos precisar de gente para posicioná-la a nosso favor. Precisamos seguir as recomendações da saúde, especialmente nas comunidades mais pobres, onde nós temos um trabalho enraizado e precisamos construir propostas”. Para ele, a não preservação de forças pela esquerda, que já vem sofrendo uma derrota, a expõe ao risco de se manter fora do jogo político. Para ele, o momento é também de formação e preparação diante das oportunidades que o momento pós pandemia pode ocasionar.
Militares
Gebrim aponta que com a eleição de Bolsonaro, blocos militares ganharam força, mas isso também está em risco com as declarações do presidente “há um núcleo político militar, com Pujol, Mourão, que ganha legitimidade com as forças armadas com a vitória de Bolsonaro, mesmo com as diferenças internas. Esses setores, como outros, podem sim jogar o Bolsonaro ‘no lixo’, o que é bom, mas deixa a esquerda a reboque dessas forças de direita”, analisa. Evelyne ressalta que a correlação de forças não é favorável e que pode se conduzir a um aprofundamento do autoritarismo das forças militares, a exemplo do Chile, que vinha pautando a construção de uma nova Constituição após as mobilizações no fim de 2019 e teve o processo barrado pelas forças militares com a pandemia do coronavírus no país.
O programa vai ao ar às terças e sextas-feiras, ás 19:30h, sempre ao vivo, no canal do Youtube do Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Monyse Ravena