Pernambuco

MÚSICA

O que tu indica? | A Trupe Poligodélica

Com a ideia de alquimia no título, o grupo entrega um frescor em forma de disco em tempos de pandemia

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Grupo mistura elementos como sonoridade setentista, psicodelismo, baião, galope, literatura de cordel e temas atuais - Vanessa Martinez Lima

O significado de transmutação na alquimia é conversão de um elemento químico em outro. Conceito que é trazido pela Trupe Poligodélica ao seu primeiro disco. Nesta combinação, é possível identificar elementos como sonoridade setentista, psicodelismo, baião, galope, literatura de cordel e temas atuais, nascendo assim esse delicioso resultado: “A Transmutação do Eco em Lenda”.


Com raízes no Vale do São Francisco, entre Juazeiro e Petrolina, a banda é formada por Fatel (letras, voz e guitarra); Victória Duarte (violino e percussão); Álvin Soares (contrabaixo elétrico e synth); Ciro Cavalcanti (guitarra) e Fellipe Melo (bateria). Seu som traz fortes referências Nordestinas, como a forma cordelista de entoar os versos, a aura do Movimento Udigrudi (movimento contra-cultural recifense), e os ritmos como o Baião e o Galope. Mas a Trupe vai além e, com os pés fincados no Progressivo e na Psicodelia, incrementam a viagem, deixando claro que há fluidez e consistência entre esses elementos, desde a primeira audição.


Como antes dito, esse é o primeiro disco d'A Trupe Poligodélica, onde há nove canções, todas assinadas por Fatel.
O impacto já vem na primeira faixa com “Raylander”, um western moderno que ecoa Ave Sangria, que fala sobre a imortalidade do sentimento e o peso do legado: “Pois na estrada do amor somos mesmo imortais / Somos todos Raylanders / Forças Naturais / Mas na estrada dos homens somos somente vermes / Carregando as dores de seus ancestrais!”. Nos versos do Blues superação, “Eu só”, o “eu” é eleito como melhor companhia: “Eu só prefiro caminhar só / Prefiro conviver só / comigo / Talvez assim seja bem melhor / Se eu continuar só e não correr perigo (...)”. A faixa de trabalho, “Desilusão de Um Chofer de Trio Elétrico” é deliciosa e faz sentir o gosto da ressaca: “Foi como num carnaval / Bem no final / Quando fica um vazio nas ruas / E os corpos descartáveis no chão / Dá trabalho pra curar depois / No outro dia cedinho / Quando a cabeça pesa, ferve /E a gente gruda no colchão”. O balanço do samba, digno de Sérgio Sampaio, é escutado em “Meu painho HD”, onde a tecnologia é confidente e quase ente querido: “Meu computador / Armazenador de bichos / Guardião dos meus meninos / Bebedor do que eu vomito / Engaiolador de monstros / Maestro dos meus escritos / Cuidador dos meus cuidados / És quase pai dos meus filhos”. Ainda somos brindados com um fechamento épico, a esplendorosa e hiper psicodélica “São cinco os sóis”.


Ao final da audição, fica a certeza de que o repeat será imediato e o looping não será exagero, pois, a qualidade faixa a faixa e cada poesia ecoada de “A Transmutação...” deve ser ouvida e disseminada sem parcimônia.

Disponível em todas as plataformas digitais, o disco teve parte gravada no Studio Ilê Aiyê (Salvador) e no Casinha Lab (Juazeiro). Há também disponível no Youtube um documentário sobre o processo de gravação que vale muito a pena ser conferido.

Gustavo Sales é baiano, músico e gestor de Recursos Humanos

Edição: Monyse Ravena