Pernambuco

SAÚDE

Rede de saúde para pessoas com HIV está comprometida por conta da pandemia

Serviços de saúde e assistência social paralisados tem impacto direto na vida das pessoas que convivem com o vírus

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Cerca de 900 mil pessoas convivem com o vírus da imunodeficiência humana no Brasil - EBC

No Brasil, cerca de 900 mil pessoas convivem com o vírus da imunodeficiência humana, o HIV, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Após 30 anos de luta contra o vírus, a sua taxa de mortalidade vem caindo, graças a garantia do tratamento completo para todas as pessoas, que conta com a distribuição gratuita de medicamentos, exames de monitoramento e acompanhamento de profissionais de infectologia, psicologia, ginecologia, pediatria e outras especialidades. Toda essa rede, que é fundamental para que as pessoas que convivem com o vírus HIV tenham qualidade de vida e consigam conviver com vírus sem prejuízos á saúde está paralisada com a pandemia de covid-19.


Nance Ferreira convive com o vírus há 18 anos. Residente em Olinda, a educadora social iniciou o tratamento assim que descobriu a doença, após o então ex-marido, com quem voltou a se relacionar depois, ficar muito doente e também ser diagnosticado com HIV “Nos primeiros anos mudou toda minha vida. Eu tinha acabado de sair daquele relacionamento. Meu marido ficou mais de um ano internado e eu achava que ia ser assim comigo.”. O acesso aos serviços de saúde foram essenciais para ela, que mantém a carga viral baixa e nunca teve complicações, quanto para o marido, que tem a saúde mais frágil e conseguiu vencer as primeiras complicações. A eficiência do tratamento foi essencial em outros aspectos da vida da família, que teve a segunda filha seguindo as orientações médicas sem transmitir o vírus. 


A mudança também foi radical na vida de Nize*, que descobriu ser portadora do vírus aos 39 anos, após muitas idas ao hospital sem diagnóstico “Demorou muito porque na época não tinha teste rápido. Quando a pessoa que me infectou faleceu, a mãe dele me chamou para conversar e contar, mas naquela altura eu já havia descoberto e iniciado o tratamento”. Após quase 20 anos de acompanhamento, ela também nunca teve nenhum episódio de doenças oportunistas “eu tive muito medo de adoecer, não saber como contava aos meus filhos… Participei de terapia muitos anos e me fortaleci para criar coragem de contar. É muito difícil carregar esse peso sem contar para as pessoas que você mais ama. Tive muito apoio deles”. 


Se por um lado, ainda não há evidências científicas de que o HIV pode ser um complicador dos sintomas de coronavírus em pessoas que convivem com vírus, por outro lado, a interrupção dos serviços especializados de tratamento podem levar a um aumento no número de pessoas não diagnosticadas e um crescimento não desejado de novos casos de pessoas infectadas de mortes por aids. Além disso, se o tratamento não for feito da forma correta, a queda na imunidade pode contribuir para o contágio de coronavírus em pessoas com HIV. “Eu, como tenho HIV, diabetes e pressão alta tenho que me cuidar. Não saio de casa, só fui ao hospital buscar medicamento, que me deram paras os próximos três meses. Apenas meu marido que trabalha em serviço essencial tem saído. Estou tomando todas as medidas que precisam ser tomadas. Eu tinha minhas atividades na assistência a outras mulheres soropositivas e agora isso ficou de lado”, relata Nize, que hoje é presentante do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas, o MNCP/PE.


Para Nance, que trabalha como educadora social na ONG GTP+, atuando na defesa de direitos das pessoas soropositivas para o HIV e das populações vulneráveis às ISTs, a situação também é complexa, já que ela e o marido convivem com o vírus, além de terem uma filha asmática, que se enquadra no grupo de risco. A preocupação dela é o cancelamento de exames e consulta “Meu marido teve um problema nos rins e precisa de acompanhamento com um nefrologista. O antirretroviral foi liberado para os três próximos meses, mas os medicamentos dos rins não, então eu vou ter que ir buscar. Quando voltar à normalidade, o serviço vai estar bastante cheio, porque já estava. As consultas demoravam mais ou menos quatro meses, e agora com os cancelamentos, tudo vai ser remarcado. Não sei como vai ser, mas acho que vai ser bem complicado”. 


Não é apenas o direito à saúde que está comprometido. Mesmo se enquadrando nos requisitos para receber o auxílio emergencial, ela não recebeu ainda o benefício “Eu tentei, mas até agora não consegui. Fiz no dia que saiu o aplicativo e até hoje está ‘Em Análise’, o meu e o de outras pessoas da família. Algumas pessoas me procuraram para ter ajuda no cadastro e pra receber também. Tem muitos casos de pessoas sem smartphone, gente que não tem conta em banco, que está com dinheiro no banco e não consegue sacar, algumas sequer têm documentos”. Nize, que se enquadra nos requisitos por ser beneficiária do Bolsa Família, ainda não recebeu “Tem hora que me bate um pânico com toda essa situação. A gente não tem previsão de quando isso vai acabar porque as pessoas não seguem as recomendações, temos um presidente que ao invés de ajudar só atrapalha, incentivando as pessoas a sair de casa. Eu estou bastante assustada, porque a tendência é piorar, e isso afeta minha pressão, minha diabetes, minha imunidade” lamenta. 

Redes de Solidariedade


Algumas organizações que já atuam na defesa de direitos de pessoas com HIV/Aids e outras IST’s vem se movimentando para garantir que as pessoas mais vulneráveis tenham direitos garantidos. Em Recife, O Grupo de Trabalho em Prevenção Posithivo, GTP+ está encampando uma campanha de arrecadação de cestas básicas, materiais de limpeza e higiene para auxiliar a população assistida pela ONG. Para contribuir com a campanha, é possível fazer doação em depósito ou transferência através dos seguintes dados bancários: GTP+ Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo: Banco Itau 341, Agência: 3175, Conta Corrente: 05336-6, CNPJ GTP 05.087.086/000155. 
Já a ONG Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero lançou uma campanha online de financiamento coletivo para arrecadar recursos e garantir a alimentação para um grupo de 120 pessoas em situação de vulnerabilidade atendidas pela instituição. Faltam apenas 10 dias para o fim da campanha, que pode receber doações através da plataforma de financiamento.

 

*Nome fictício para preservar a identidade da fonte.

Edição: Monyse Ravena