Nesta quinta-feira (14) estreou o Giro Nordeste, programa de TV conjunto aos nove estados da região Nordeste do Brasil. E o entrevistado foi o médico oncologista, cientista e escritor Dráuzio Varella, falando sobre diversos temas relacionados ao coronavírus. O programa é parte da estratégia de comunicação do Consórcio Nordeste, que há meses estreou um programa de rádio com notícias governamentais dos estados da região. O Giro Nordeste tem formato de entrevista similar ao Roda Viva, mas os entrevistadores estão todos de maneira remota e representam as televisões dos nove estados da região.
Participaram Juliano Domingues, da TV Pernambuco (que você pode assistir na sintonia 46.1 para o Recife; 12.1 para Caruaru; e 13.1 para Petrolina); Fabrício Camboim, TVE Alagoas; Marjones Pinheiro, TV Aperipê, de Sergipe; Naná Garcez, da Empresa Paraibana de Comunicação; Iano Flávio Maia, TV UFRN; Carla Soraya, da TV Ceará; Jeandra Portela, da TV Antares do Piauí; Ana Thereza Viegas, da TV UFMA, do Maranhão; além do âncora da TVE Bahia, Juraci Santana. Confira os principais temas debatidos e a posição de Drauzio Varella.
Desinformação
A postura do Governo Federal, contrário ao isolamento social e minimizando a ameaça do coronavírus, em contraste com as posturas dos governos estaduais e municipais, pedindo isolamento devido ao alto número números de infectados, acaba por gerar confusão na população. “Os países que estão lidando melhor com o vírus é onde há uma orientação única dos governos. O problema nessa epidemia é que se você deixa a disseminação correr solta, acaba tendo um grande número de pessoas gravemente enfermas e não será possível atender todas elas. Nenhum estado dá conta”, afirma Drauzio.
Sobre a disseminação de notícias falsas, ele lamenta que as pessoas têm parecido muito crédulas. “Admito que fico um pouco chateado. De repente estão acreditando que água com limão cura o vírus. Ora, fosse assim já teríamos controlado essa pandemia”, reclama. E sugere fontes de informação respeitadas. “Você precisa se informar por sites confiáveis, fontes oficiais do governo do seu estado, do Ministério da Saúde, sites de gente que estuda o tema. Não dá para acreditar em tudo que você vê na internet”, afirma.
Dengue x covid-19
Há cerca de 30 anos o Brasil luta contra o aedes aegypti, mosquito que transmite a dengue e, mais recentemente, também descoberto como vetor da zika e chikugunya. Se com todo esse tempo ainda convivemos com a epidemia de dengue, no caso do coronavírus a questão é complexa, como explica o médico. “O mosquito é pequeno, mas as pessoas o vêem. A rigor, não devia morrer ninguém de dengue, se o sistema de saúde tratasse com agilidade. Com o coronavírus é diferente, as pessoas não veem. O problema é explicar a necessidade de se isolar agora. A maioria das pessoas jovens tem que pensar nos pais, mães avós e outros que estavam isolados e que podem pegar a doença com essa irresponsabilidade”, diz Varella.
Testagem
Em alguns locais, já é possível encontrar nas farmácias testes rápidos para a covid-19. Dráuzio explica a diferença entre os dois tipos de testes existentes no mercado e a eficácia deles “Existe um chamado RT-PCR, que você colhe as amostras no nariz e garganta e esse teste ele procura diretamente a estrutura do vírus naquela amostra. Esse teste pode dar positivo até uma semana depois dos primeiros sintomas, mas depois disso ele não é mais tão efetivo”. O médico explica que a eficácia desse teste é para diagnosticar rápido e iniciar o isolamento da pessoa que testou positivo. Já o teste rápido é feito com a amostra de sangue, mas o teste tem altas taxas de resultados errados por não haver controle sobre quem fabricou os testes. “Esse teste é um problema sério, porque a quantidade de falsos negativos é grande. Ele só dá positivo depois de duas ou três semanas. Estamos estudando novos métodos, mas esse teste rápido não funciona muito”.
Medicamentos e a cloroquina
O médico destacou a importância de comprovação científica de que um determinado medicamento é eficaz e conhecer seus efeitos colaterais, para que só então distribuir a droga. “Não adianta usar um medicamento muito tóxico que faça você passar mal da doença. Estão sendo testadas inúmeras drogas, algumas que estão sendo desenvolvidas e outras são drogas já existentes”, explica.
Uma das drogas que já existem e estão sendo testadas é a hidroxicloroquina. “Isso virou um tema político no Brasil e nos Estados Unidos”, reclama o médico. “Grande parte dos trabalhos desenvolvidos mostram que este medicamento não tem grande efeito para a cura da covid-19, não acelera a recuperação. Nenhuma demonstração científica comprova que ele ajuda”, alerta Dráuzio. Dráuzio não critica os médicos que experimentam o uso da cloroquina no tratamento de seus pacientes, mas reclama de quem o propagandeia sem embasamento científico. “O que é ruim é dizerem por aí que a cloroquina ‘é uma grande arma contra o coronavírus’, isso é errado”, avalia.
E ele pondera que leva tempo para que se desenvolva uma vacina para impedir o contágio por coronavírus, mas não tanto quanto noutros períodos históricos. “Há especialistas que indicam que indicam que até o fim deste ano já podemos ter uma vacina”, celebra.
Cuidados com os idosos
Questionado se os idosos têm sido tratados com o devido cuidado e respeito durante a pandemia, o médico chamou atenção para o cenário das internações. “A idade não pode ser critério para o acesso a leitos. Isso é atrasado na medicina. Até porque há muita gente de 60 anos mais saudável que alguns jovens de 25 anos”, pondera. “E se começarmos a adotar critérios subjetivos, corre risco de haver preferência para brancos obterem leitos em vez de negros, ricos no lugar de pobres. A medicina não pode ser assim. Todos são iguais”, completa.
Saúde pública
Defensor do Sistema Único de Saúde (SUS), Dráuzio Varela afirma que a saúde pública brasileira tem sido vitimada por “uma série de desmandos”. “O SUS tem áreas maravilhosas. Nenhum país do mundo vacina tantas pessoas de graça como o Brasil, nenhum faz tantos transplantes de órgãos gratuitamente como o Brasil”, elogia. “Mas o SUS tem sido alvo de diversos cortes. Nos últimos cinco anos perdeu R$20 bilhões. Quando a demanda aumenta como agora, vem a conta”, destaca.
Ele também reclama do uso excessivamente político e pouco técnico do cargo de ministro da Saúde. “O Brasil nunca conseguiu desenvolver uma política de saúde pública, porque nos últimos 10 anos tivemos 13 ministros da saúde. Eles passam em média 10 meses no cargo. O que você faz nesse tempo? Quando você começa a entender o funcionamento do sistema, você é trocado por outro e não por motivos técnicos, mas para colocar outro político qualquer”, ataca. A entrevista foi concedida um dia antes de o ministro da Saúde, Nelson Teich, pedir demissão na manhã desta sexta-feira (15).
Edição: Marcos Barbosa