Pernambuco

CONFLITO

No Cabo, posseiros sofrem ameaças e tem produção destruída por Suape

Famílias acusam Suape por violações de direitos e ameaças que não pararam nem durante pandemia do coronavírus

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Derrubada da plantação e das cercas no local foi feita pela segurança da empresa, de acordo com moradores - Reprodução

Localizado entre os municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, o Complexo Industrial Portuário de Suape é relacionado a duas narrativas conflitantes: a primeira é a do desenvolvimento econômico e tecnológico, já que o local abriga o maior complexo de indústrias do nordeste e o maior porto do norte/nordeste, recebendo só em 2018 cerca de 23,6 milhões de toneladas de produtos, de acordo com dados divulgados pela própria empresa. Por detrás dessa narrativa, moradores da região denunciam com frequência uma série de violações de direitos que vem impedindo as famílias posseiras de continuar seus modos de vida tradicionais com a pesca artesanal, agricultura familiar e camponesa e a apicultura. 

Nascido e criado no Engenho Ilha, no Cabo, Luciano Plácido da Silva tem 34 anos. Ele que diz que os pais já viviam na terra há muito tempo antes dele nascer e agora sua família, com a esposa dois filhos tira o sustento com um apiário e o cultivo de alimentos em terras que ficam cerca de 1km de distância da residência da família, onde produzem batata, macaxeira e coco, que também contribui na qualidade do mel produzido pelas abelhas. Luciano relata que nas últimas semanas, mesmo em meio a pandemia de coronavírus e ao apelo dos órgãos governamentais para que as pessoas fiquem em casa, ele vem sendo ameaçado e teve todo o seu coqueiral derrubado no dia 28 de abril “Depois de dois anos que estava tudo tranquilo, veio a Suape, derrubou as cercas, está lá tudo aberto e estou sem saber o que fazer. Estou com medo deles tocarem fogo nas casas das abelhas. O pessoal diz que eles entram lá sem falar nada com ninguém, pegaram os cocos, derrubam cerca, estão fazendo um negócio aqui que eu nunca vi… Derrubaram os 80 pés de coco que eu plantei para ajudar na floração do mel das abelhas” relata. 

O problema não é novo. De acordo com um Relatório da Missão de Investigação e Incidência produzido pela DHesca Brasil sobre as violações de direitos que acontecem no local do complexo industrial e portuário, 32 Boletins de Ocorrência (B.O.) já foram registrados com denúncias de agressão física, verbal e prejuízo patrimonial. O Engenho Ilha é ocupado há décadas por famílias que em seus sítios tem a produção de alimentos como principal atividade econômica e que em 2018 viram o início das obras da indústria farmacêutica Aché no local, que teve as obras concluídas e o início da operação no fim de 2019, quando 41 famílias foram desapropriadas, tiveram suas casas demolidas e algumas nunca receberam nenhuma indenização.


Em 2019, famílias tiveram casas demolidas e foram expulsas do local / Reprodução

Quem relata os fatos é Vera Lúcia Melo, presidente da Sociedade de Pequenos Agricultores de Ponte dos Carvalhos, que integra há 25 anos. Ela relembra que já fazem cerca de 10 anos que o conflito no Engenho Ilha se intensificou e que nas últimas semanas as investidas retornaram. “A segurança de Suape já entrou aqui escoltada pela Polícia Militar e a comunidade toda viu aquilo. Essa questão de ficar em casa a gente não consegue. Eu tive sintomas da covid-19 e ainda assim tive que intervir em algumas situações. A gente se pergunta se fica em casa, aí gente fica a mercê ou se vai para a luta para não ver ainda mais destruição, porque eles não dão trégua” declara. Vítima de um histórico de ameaças, Vera integra o Programa Estadual de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PEPDDH), que busca visibilizar os conflitos para inibir novas ações “até hoje, nenhuma ameaça se concretizou, mas elas continuam. Eles chegam nas áreas dizendo que eu não faço parte do Programa, que ele não funciona e por isso o próprio PEPDDH vai entrar com uma outra ação contra eles”.

Luciano também denuncia que vem sendo procurado pela segurança que destruiu sua produção “quando cheguei na produção estava tudo derrubado e vieram me contar porque eu moro longe. Eles estão aproveitando que a gente não está podendo sair de casa, mas eles estão saindo, passam aqui constantemente. Me disseram que me procuraram e perguntaram se eu estava me escondendo, porque não me viram mais lá na plantação e que queriam me ver. Eu estou apreensivo, com medo, porque não sei o que eles querem comigo, já derrubaram minha plantação. Eles estão botando pânico na população”.

Os moradores já tentaram diversas vezes fazer com que a justiça interferisse na situação para proteger a comunidade. Vera afirma que um inquérito foi aberto, mas temem perder o processo por causa do tamanho e influência das empresas que estão no local “Todo mundo sabe que disputar com o Estado não é fácil. Eles só pensam no desenvolvimento, não nas pessoas daqui. A gente não teve retorno da justiça. Uma disputa com Suape, com o Estado precisa ser muito bem pensada. O meio que a gente achou foi fazer uma representação no Ministério Público Federal e Estadual, mas é penoso, cansativo. Já tivemos várias audiências públicas, já fomos para a ALEPE... Foi feita uma denúncia gigantesca mas nós não tivemos retorno, a verdade é essa” aponta.

Em nota, Suape justificou as ações “por lei, Suape tem a obrigação de atuar com o que se chama desforço imediato, ou seja, coibir as invasões no território do Complexo, no momento em que elas estão acontecendo. Conforme a Diretoria de Patrimônio e Gestão Fundiária, é o caso do que acontece no Engenho Ilha, onde as tentativas de invasões são constantes”. Sobre as moradias derrubadas em 2019 e a questão indenizatória, a questão passa pela justiça “Há, inclusive, processos de reintegração de posse na Justiça, pois, uma vez que sejam identificadas moradias já instaladas, não há atuação direta de Suape sobre ela, apenas juridicamente. Qualquer ação fora dessa linha, indicamos que seja registrada em nosso Canal de Denúncia, via email ([email protected]) ou telefone 3527.5005”.

Enquanto os processos se arrastam, Luciano espera que algum dia o problema seja solucionado sem a expulsão das terras e sem nenhum impacto na produção, sua única fonte de renda “Estamos só sobrevivendo nessa situação, que está se arrastando. Eu estou com o coração na mão, se eu perder o apiário, que é minha renda, como vou tirar o sustento da minha família?” questiona. 

 

Edição: Monyse Ravena