A empregada doméstica aposentada Luiza Batista, presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), falou nesta quinta (4) com o Brasil de Fato Pernambuco sobre o caso da morte do menino Miguel Otávio, de 5 anos, na terça . Filho da empregada doméstica Mirtes Souza, o menino caiu do 9º andar do condomínio de luxo conhecido como “Torres Gêmeas”, no Recife. O acidente foi resultado da negligência de Sari Corte Real, patroa da mãe de Miguel, que mandou a criança sozinha de elevador para a cobertura do prédio. A líder das domésticas vê elementos remanescentes da escravidão.
Luiza Batista afirma que a patroa de Mirtes Souza não só descumpriu o decreto estadual em vigor – que não dá ao casal o direito de colocar as domésticas para trabalhar –, como também refletiu valores das raízes escravocrata do Brasil. “Essa patroa é a típica ‘sinházinha’. Ela descumpriu uma nota técnica Nº4 de 2020 do Ministério Público do Trabalho (MPT) e o decreto estadual, por manter Mirtes e a mãe trabalhando. Por quê? Simplesmente porque ela não queria fazer os serviços domésticos, precisava ter alguém ali para servi-la”, diz Batista.
Em Pernambuco, o trabalho de empregadas domésticas não é considerado essencial e por isso os patrões não devem convocar suas empregadas. As únicas exceções são quando as profissionais são cuidadoras de idosos, de pessoas com necessidades especiais e babás de crianças filhas de profissionais de saúde e segurança que estejam na linha de frente do combate à pandemia. O caso de Mirtes não se encaixa nas referidas exceções, mas ainda assim seus patrões a estavam submetendo ao trabalho.
Luiza disse ter ficado sabendo do caso nesta quarta (3), mas quando participou de um programa ao vivo, nesta quinta (4), ficou chocada com uma declaração da mãe de Miguel Otávio. “Ela contou que quando subiu para o apartamento, ainda sem saber de nada, a patroa disse que não sabia onde a criança estava. Minutos depois Mirtes descobriu o corpo do filho no térreo, ao que a patroa respondeu dizendo que a criança saiu escondida. Mas as imagens mostram que a patroa colocou a criança no elevador. E Mirtes só descobriu hoje, pela TV, que a patroa havia mentido”, relata a presidenta da Fenatrad.
Batista lembra outros casos recentes de mortes de crianças e adolescentes negros, seja por representantes do Estado, como a Polícia; como por famílias poderosas que ocupam posição de poder no Estado, como no caso do casal Sari Corte Real e Sérgio Hacker Corte Real “Tudo o que estamos vendo acontecer nos Estados Unidos e aqui no Brasil, com temos a morte de Miguel, a morte de Lucas Gabriel no quintal de casa e tantas e tantas outras vítimas. Todas negras e sem chance de defesa”, diz ela, em tom de revolta. “A supremacia branca continua ditando as regras e fazendo o que bem entende, sem nenhuma punição. “O que será que vai dar para essa ‘sinhá’?”, questiona Luiza.
A liderança afirma que os movimentos populares, especialmente o movimento negro, estão cada dia mais “revoltados com tanta falta de respeito, empatia, consciência, solidariedade e justiça”. “Por ser [Sari] uma mulher branca e de família abastada, ela pagou R$20 mil e foi solta. A vida de Miguel vale isso? Ela não vai a júri popular e nem vai responder por homicídio doloso, apenas culposo?”, reclama Luiza Batista. “Se ela coloca uma criança de 5 anos dentro do elevador, aperta o botão da cobertura e deixa a criança seguir sozinha, ela assumiu o risco de que essa criança pudesse vir a sofrer um acidente, que foi fatal”, opina. “Mas agora ela está em casa, no aconchego do lar”, completa.
Na avaliação da presidenta da Fenatrad, se o caso fosse inverso, com Mirtes sendo displicente e permitindo a morte de uma criança da família Corte Real, o sistema Judiciário agiria diferente. “Será que Mirtes estaria em casa agora? Certamente não. Seria encaminhada para a Colônia Penal Feminina do Bom Pastor. Mas infelizmente a lei ainda é muito parcial, garantindo a liberdade de uma mulher por ser branca, rica, de uma família tradicional, enquanto a trabalhadora negra perdeu o único filho”, lamenta Luiza Batista.
Ela destaca ainda que nesta sexta (5), às 13h, deve ocorrer uma manifestação pedindo por justiça. Segundo Luiza, o ato deve ter início no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), em Joana Bezerra, e se dirigir em caminhada até as “Torres Gêmeas”. “Mesmo com o isolamento, precisamos ir de máscaras e fazer essa pressão. Não é um ato irresponsável. Ele se faz necessário para gritarmos por Justiça”.
Edição: Vanessa Gonzaga