Iniciada há uma semana, reabertura econômica de Pernambuco preocupa pesquisador, que vê movimento como precipitado. Na última quarta-feira (3), apenas dois dias após o Governo de Pernambuco apresentar um cronograma de retomada das atividades econômicas no estado, representantes de setores empresariais se mostraram insatisfeitos e pressionaram o poder público para que o programa de reabertura fosse acelerado. O grupo de empresários se autodenomina “Movimento Pró-Pernambuco” e reúne mais de 20 associações empresariais do estado. Na sexta (5), o Executivo estadual já divulgou alterações no plano anunciado quatro dias antes.
O médico sanitarista e doutor em Saúde Pública Tiago Feitosa considera que a reabertura permitida pelo Executivo estadual aconteceu antes do ideal. “Existem parâmetros definidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que indicam o momento de reabrir a economia ou relaxar o isolamento social. O primeiro é que a localidade chegue a 14 dias seguidos de queda no número de novos casos, algo que não ocorreu em Pernambuco; o segundo parâmetro é ter uma taxa de ocupação nos leitos de UTI abaixo de 80%, que no estado ainda está em 100%; e o terceiro parâmetro é um isolamento social acima de 50%, este foi o único que conseguimos alcançar”, destaca o pesquisador.
O médico reforça que a decisão do estado de Pernambuco não obedece ao protocolo seguido por outros países e pontua que ainda não se pode sequer falar em tendência de queda no número de novos casos. “Com a quarentena rígida, que não chegou a ser um ‘lockdown’, alcançamos mais de 60% de isolamento social, ainda abaixo dos 70% ideais. O isolamento social teve o efeito de estabilizar a epidemia e ela parou de crescer no ritmo que estava. Mas só podemos afirmar que há uma queda após isso se repetir por 14 dias seguidos”, diz Tiago Feitosa.
Pernambuco registrou, até a noite desta quarta-feira (10), 41.935 diagnósticos positivos de covid-19, dos quais 25.569 (61%) já estão recuperados e 3.531 (8,4%) resultaram em morte. O estado está na 13ª semana de pandemia e as duas últimas semanas foram de redução no número de novos contágios. Os números de contágios diários por covid-19 seguem bastante altos e é preciso cautela para que não se perca o controle e os índices voltem a subir.
Tiago Feitosa pondera que o que assistimos hoje é reflexo de 10 ou 14 dias atrás, assim como as escolhas de hoje se refletem daqui duas semanas. “O ciclo do vírus é de em média 14 dias. Essa estabilização que estamos assistindo hoje é fruto quarentena rígida. Na próxima semana há uma possibilidade de observamos a volta de um número elevado de casos. Me preocupou muito o boletim desta quarta (10), com mais de 900 novos casos e mantendo a média de 50 mortes diárias. São números similares a antes da quarentena rígida”, lamenta.
Outro fator que não se pode mais ignorar a esta altura é que ao iniciar a reabertura, fica difícil voltar atrás, apesar de o Governo do Estado reafirmar que pode fazê-lo. O lobby empresarial e a demanda por recurso e emprego nas periferias ampliam a pressão pela abertura. “A partir de agora vai ser mais difícil voltar ao isolamento. A população já entendeu como um ‘libera geral’, já está nas ruas e com uma visível redução no uso de máscaras”, reclama o médico. Feitosa considera ainda que se perdeu a oportunidade de estender um pouco mais a quarentena rígida para consolidar a queda de casos e só então iniciar uma reabertura mais segura, alertando que estamos correndo o risco de estar jogando fora o esforço da quarentena rígida.
O secretário estadual de Saúde, André Longo, comemora que a quarentena rígida no estado tenha conseguido “frear” o crescimento dos índices e dado mais tempo para o poder público abrir novos leitos. “O cenário nos leva a crer que teremos queda também nas solicitações de leitos. Já conseguimos zerar as filas de UTI no estado”, disse o secretário em coletiva de imprensa na última segunda (8). Longo informou ainda que nas próximas semanas devem ser abertos 90 novos leitos de UTI, divididos entre os hospitais referência para covid-19 no Recife (antigo Alfa, em Boa Viagem) e em Olinda (maternidade Brites Albuquerque, Cidade Tabajara); além dos equipamentos para atender aos pacientes de covid-19 em Goiana, Vitória de Santo Antão, Caruaru, Garanhuns e Serra Talhada.
André Longo mantém o discurso de que “ainda não é hora de relaxar” nos cuidados, sob risco de precisarmos voltar a adotar normas de isolamento mais rígidas. “Só saia de casa para o necessário. Agindo assim você estará protegendo a si e a todos à sua volta. E se sair de casa, cumpra as regras. Se a sociedade não compreender isso e voltarmos a ter aglomerações e crescimento de contágios, teremos que dar passos atrás no nosso plano de convivência”, garante.
Thiago Feitosa acrescenta que para um gradual retorno à “normalidade” de maneira segura é necessário controlar o vírus e, para isso, é necessário ampliar a testagem. “Os testes é que nos dão informações sobre o percurso da epidemia, as tendências dela. E temos índices de testagem baixíssimos no Brasil, com Pernambuco sendo apenas o 10º estado do país em volume de testes. Aqui no estado só se testa quem morre ou quem está em estado grave. É uma deficiência muito grande. Ficamos às cegas no processo de vigilância e bloqueio da transmissão”, critica o médico. “As pessoas com casos leves e moderados continuam circulando e transmitindo o vírus. Se não testamos elas, não isolamos e não bloqueamos a transmissão”, completa.
O sanitarista destaca ainda o momento de “periferização” da pandemia nas grandes cidades, alcançando maior letalidade nos bairros das classes C, D e E; além da interiorização da disseminação do vírus. “Isso nos preocupa porque as redes de saúde no interior são mais frágeis. E ao mesmo tempo capital ainda temos 100% de ocupação de leitos, então não conseguiremos nem trazer para cá os pacientes do interior”. Feitosa também integra a Rede Solidária em Defesa da Vida, composta por professores e pesquisadores que têm acompanhado os dados da pandemia da covid-19 em Pernambuco.
Ele lembra também que, mesmo que Pernambuco mantenha a queda no número de contágios, é preciso ter cuidado com quem chega de outros locais, porque os estados estão em tendências e com métodos diferentes. “Temos que manter o controle nas rodoviárias, aeroportos, observando a origem, aferindo temperatura e acompanhamento de casos ao chegar, inclusive realizando quarentena. Isso deveria ter sido pensado desde o carnaval”, avalia. Ele destaca ainda o problema do transporte público metropolitano. “Ônibus continuam lotados e os terminais cheios. São questões não resolvidas e que irão interferir diretamente no controle da epidemia. O que visualizamos é uma tendência de novo aumento do número de casos em breve no estado, devido a liberação que se iniciou”, diz ele.
O pesquisador ataca o Governo Federal pela postura frente a pandemia do novo coronavírus. “A resposta precisava ser articulada. A ausência do Governo Federal tem sido definidora para não termos uma boa resposta. Brasília está com uma enorme dívida junto à população por essa negligência com que tratou a pandemia”, diz ele, que também critica os executivos estadual e municipal. “Precisamos ir além das normas de isolamento social. Deveríamos ter atuação da vigilância epidemiológica; diagnóstico e isolamento dos casos leves e moderados; e viabilizar condições objetivas de isolamento para a periferia, em que poderiam ter sido utilizados equipamentos públicos e privados que estavam sem funcionar”, diz Feitosa. “Precisa ser criativo. Mas nem água diariamente tem. Tivemos uma medida importante de ampliação do número de leitos de UTI, mas seria fundamental ter medidas para que a população não precisasse recorrer a esses leitos”, diz ele.
Novo cronograma
Na última segunda-feira (8), teve início a “segunda etapa” do cronograma de reabertura. Além da retomada da construção civil (com 50% dos trabalhadores) e do atendimento presencial no comércio atacadista, o Governo do Estado antecipou a liberação de coletas presenciais de mercadorias em shoppings centers. Também foi antecipada a retomada dos serviços de atendimento médico, odontológico, fisioterápico, psicológico e veterinário, que reabriram nesta quarta-feira (10).
Na próxima segunda-feira (15), tem início a "Etapa 3", quando reabrem os varejos de até 200 m² tanto nos bairros como no centro da cidade, mas mantendo os cuidados sanitários e com horário das 9h às 18h (fora da região metropolitana não há restrição de horário). Também voltam a funcionar os salões de beleza e serviços de estética, os serviços de comércio, aluguel e vistoria de veículos (com metade dos funcionários); além da volta dos treinos de futebol. As mudanças foram apresentadas após os empresários classificarem os prazos estabelecidos pelo governo como “dilatados”.
As demais etapas também estão descritas nas tabelas abaixo (produzidas pelo Governo do Estado, mas ainda não têm data pré-determinada. Até o dia 15 deve haver um balanço do Executivo estadual sobre o impacto da reabertura da economia no índice de contágios por covid-19. Caso os números sigam sob controle, devem ser estabelecidas datas para a “Etapa 4” e as seguintes.
Edição: Marcos Barbosa