É mais uma maneira perversa do Governo Federal em colocar os lucros das empresas na frente das vidas
Em meio a uma crise sanitária, em 24 de junho o Senado Federal aprovou o novo marco regulatório do saneamento (Projeto de Lei 4162/19), facilitando a privatização das companhias de água e esgoto no país. De iniciativo do Governo Bolsonaro, o projeto extingue o modelo de contrato entre o município e as empresas estaduais de água e esgoto, para entregar o serviço nas mãos de empresas privadas que irão assumir as estatais através de disputas licitatórias.
Diversas entidades posicionaram-se contrárias ao texto de lei, principalmente por entenderem que o projeto permite a criação de um monopólio privado para a água e o esgoto no Brasil. Sem ignorar os desafios e dificuldades na implementação de um sistema de saneamento universal, as organizações apontam que a falta de integração do saneamento básico com outras políticas públicas é o fator responsável pela precarização do serviço no País.
É importante pontuar que a iniciativa privada é regida pela lógica do lucro, o que resulta – conforme comprovado por diversas experiências internacionais – no aumento do preço e na queda da qualidade do serviço ofertado. Exemplos disso foram os processos de reestatização em cidades como Berlim, Paris e Buenos Aires, locais que, após entregar o setor à iniciativa privada, voltaram atrás em razão do aumento expressivo nas tarifas e na queda de qualidade do serviço oferecido. A iniciativa privada, que tem o compromisso primeiro em gerar lucros para as grandes empresas, dificilmente manterá o programa de subsídio cruzado existente. O programa é responsável por colaborar na universalização do serviço para comunidades sem condições de arcar com as tarifas da água, fazendo com que localidades mais ricas de forma solidária custeiem parte das tarifas das periferias e de cidades menores.
Em outras palavras, se pode concluir que a população negra e pobre será a principal atingida pela privatização da água e dos serviços de saneamento. A mercantilização da água – ou seja, o poder público e privado passar a ver a água como mercadoria e não como serviço essencial para a existência humana – atingirá justamente àquelas e àqueles que não possuem condições financeiras de arcar com as tarifas.
A centralidade do racismo nas ações governamentais, embora não prescindisse de mais evidências, ganha maior contorno com a aprovação desse novo marco regulatório do saneamento. Trata-se de mais uma maneira perversa do Governo Federal em colocar os lucros das grandes empresas na frente das vidas humanas que residem em territórios periféricos e financeiramente pobres. Com a aprovação dos senadores e deputados, fica mais uma vez evidente que o poder político no Brasil, desde o golpe de 2016, possuí um projeto de desestruturação das empresas públicas, de esgotamento dos recursos naturais e de privatização dos serviços essenciais.
Não podemos nos enganar: Bolsonaro venceu – e se mantém no poder – por atender a esses mesmos interesses privados. Suas declarações, embora perversas, são aceitas e inclusive banalizadas desde que mantenha o projeto neoliberal de vender o Brasil e seus recursos naturais. A iniciativa privada não se importa com a democracia, se importa com o lucro. Não é possível englobar qualquer um dos deputados e senadores que votaram a favor do Projeto de Lei de privatização da água como oposição do governo Bolsonaro.
Só é possível se fazer oposição ao governo da morte com a defesa de um sistema universal de saúde, de saneamento e de distribuição de água, com o fortalecimento das entidades estatais e sem ver com ingenuidade ou falsas esperanças as promessas falaciosas e comprovadamente mentirosas da iniciativa privada. A “mão livre do mercado” é suja de sangue e empurra a trabalhadora e o trabalhador para o mesmo esgoto que se recusa a limpar.
Edição: Monyse Ravena