Pernambuco

ENTREVISTA

“A fome não espera”: artista comenta desafios de implantação da Lei Aldir Blanc

Giordano Castro também fala das ações do Grupo Magiluth e desafios do fazer artístico na pandemia

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Giordano é membro do Grupo Magiluth, que desenvolveu um experimento teatral virtual durante a pandemia - Reprodução

Sancionada na última terça (30), a Lei Aldir Blanc, que destinará recursos para trabalhadores da cultura e espaços culturais foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. Contudo, a lei ainda não tem prazo para implantação e o prazo de 15 dias estipulado na lei foi vetado pelo presidente. Giordano Castro, da companhia de teatro recifense Grupo Magiluth conversou com o Brasil de Fato Pernambuco sobre os desafios de implantação da lei e como os artistas vem traçando estratégias de sobrevivência durante a pandemia. Confira a entrevista:

Brasil de Fato PE: Uma das categorias mais impactadas com essa restrição das atividades foi o setor cultural. As aglomerações nos shows, no teatro, no circo, festas e festivais foram cancelados e, muito provavelmente, vão ser os últimos a voltar. Como tem sido a vida de quem trabalha com cultura?

Giordano Castro: Bem, a vida de todo que trabalha no setor cultural virou de cabeça pra baixo de uma forma imediata. É um setor que foi imediatamente prejudicado por tudo isso porque a premissa do fazer artístico está ligado muito ao fato de aglomerar, de encontro. Todo mundo teve que recorrer ao Auxílio Emergencial, mas esse auxílio encontrou uma série de impasses. No caso particular, meu e do grupo, ninguém conseguiu o auxílio por uma série de motivos cada um e a gente se viu extremamente perdido, porque a fonte de renda da gente, do grupo, de vários artistas – eu falo da gente mas eu to falando de uma classe muito grande – vem basicamente de bilheteria e do seu trabalho feito no dia a dia. Há um tempo a gente também vem sofrendo, também no âmbito federal e em outras esferas a falta de leis de apoio e de incentivo. Desde o fim do governo dilma até então, toda a área artística foi muito afetada por falta de políticas públicas que de fato pensasse e que apoiassem o fazer do dia dia.

Tem uma coisa que eu acho bem importante a gente tocar quando a gente fala desse fazer artístico, que é que o dinheiro tem que ir pra saúde e pra educação mas se a gente é um país que é pauta ainda pela Constituição, dentro da Constituição fala que todo o cidadão tem direito à educação, saúde e cultura. Antão apoiar a área cultural, o estado fazer isso – o estado enquanto todas as esferas – não é nada mais além do que fazer o que a Constituição pede.

Outra coisa é que o mercado cultural além de gerar muito emprego, movimenta muita muita grana. se a gente pega o setor do cinema, para cada R$1,00 investido no cinema, ele consegue reverter para o país R$4,00, mais ou menos por aí. Então é entender que é um mercado que gera muito dinheiro e fazer com que esse ele esteja agora completamente congelado, é uma falta de percepção e de visão de que esse mercado é também émuito fervoroso para a economia do país.

BdF PE: Como em todos os outros ambientes da vida, a arte também migrou para essa experiência das telas e das redes sociais. O Grupo Magiluth desenvolveu o experimento “Tudo que coube numa VHS” para que os artistas pudessem falar um pouco sobre o confinamento, sobre essas questões. Como funciona o experimento e como surgiu a ideia?

Giordano: O “Tudo que coube numa VHS” é um experimento cênico do confinamento e é um espetáculo. Ele acontece durante 30 minutos, onde cada um dos atores do Magiluth aplica com uma pessoa do público. Essa pessoa acompanha essa trajetória, essa história usando diversas plataformas de comunicação que a gente tinha usado ultimamente e todo mundo que tem um smartphone, facilmente consegue usar, então a gente usa plataformas muito simples como whatsapp, youtube, instagram, enfim, todas que a maioria da população tem. E essa foi uma forma que o grupo encontrou para que a gente continuasse trabalhando e que, de alguma forma, a gente continuasse existindo. Por que a nossa existência entrou em risco quando a gente não tinha nenhum subsídio, não tinha nenhum apoio e não tinha de onde continuar tirando nossa renda.

Esse trabalho – que entra nessa questão de ser um espetáculo teatral ou se não, mas enfim – ele funciona com bases teatrais e é isso que é importante, meio que salvou a vida do Magiluth e tem feito com que a gente continue trabalhando. A gente está dando uma pausa e essa temporada volta a partir de julho mas ainda não está com uma data definida.

BdF: A lei Aldir Blanc foi sancionada nesta semana e tanto os artistas como os trabalhadores desse setor vão ter direito a uma renda fixa de R$600,00 e também serão prorrogados os prazos dos pagamentos de tributos, além de proibir o corte de água, luz e internet para os centros culturais não estão funcionando e não estão conseguindo pagar as contas. Qual a importância dessa lei?

Giordano: Essa lei ela é fundamental para que a classe artística consiga passar por essa situação. É importante lembrar que essa é uma lei muito ampla e é importante dizer que ela é uma lei que não “tirando o dinheiro” de lugar nenhum, esse dinheiro que é voltado pra essa lei era um dinheiro já destinado à cultura. Então o que a gente está fazendo é gerenciando um dinheiro que já era voltado para a cultura, para  apoiar todos os artistas que estão nessa situação e que não conseguiram o seu Auxílio Emergencial. 

A lei também prevê o auxílio e apoio a espaços culturais e esses espaços culturais são verdadeiramente – e aí eu acho importante todo mundo que tiver interessado saber entrar, procurar essa lei – porque ele foca não é somente em espaços como salas de espetáculos, cinemas, enfim, mas são muitas coisas, muitas coisas como estúdios de fotografia, por exemplo, pessoas que trabalham com literatura, tudo isso, toda essa cadeia da forma mais ampla ela vai ter condições de buscar esse apoio.

A lei vem do âmbito federal mas ela ramifica para cada estado e município, então com as especificidades de cada estado eles vão receber uma quantia e essa quantia é reiniciada pelo estado e pelo município de forma mais paritária. Enfim, ela é fundamental, ela é importantíssima para que essa cadeia não se desarticule porque é importante pensar que nesse momento de pandemia, a gente tem fé que vai passar, e quando tudo isso passar vai ser importante a retomada e ela só vai acontecer se esses profissionais tiverem minimamente garantido a sua continuidade de vida. Nós somos profissionais e trabalhamos igual a todos os outros.

BdF: Giordano, os profissionais já estão há quase quatro meses sem política de renda, e agora com a sanção da lei, vai ser necessário esperar no mínimo mais 75 dias. Ainda dá pra esperar por esse auxílio?

Giordano: Olha..."dá" é uma coisa dificil né? A gente está vivendo da forma que consegue. Apesar da conquista que a gente teve dessa lei ser assinada, um dos pontos que foi tirado pelo presidente Bolsonaro, foi o ponto que falava da questão emergencial do repasse desse dinheiro e esse ponto ele tirou.

Tirando esse ponto, a lei apesar de sancionada ela não tem a garantia de quando esse repasse vai começar a ser feito. Então agora começa um novo trabalho de articulação e de pressão pra que esse repasse seja feito de forma mais rápida possível. O que acontece é que a gente tem que entender que  tudo que move a nossa vida é movido também através de política. Então, quando as pessoas também falam assim “ah, não se discute política” se discute sim! E a gente precisa discutir porque tudo isso que foi feito, conquistado e tudo isso que a gente precisa fazer passa por questões políticas.

Esse é o momento da gente buscar e cobrar das pessoas que nos representam - em todas as áreas, seja vereadores, deputados estaduais, deputados federais – essa cascata de pressão tem que ser feita para que seja resolvido o quanto antes, para que a gente que trabalha com isso, a gente que necessita desse apoio, chegue pra gente o mais rápido possível, porque a fome não espera, as contas não esperam; se a gente adoecer vai precisar desse dinheiro para salvar nossas vidas e isso não espera, então é preciso ser feita essa pressão agora.

Edição: Vanessa Gonzaga