Pernambuco

BREQUE DOS APPS

"Incluindo bikes e motos, são mais de 50 mil entregadores de app aqui em Pernambuco”

O entregador Rodrigo Lopes e o advogado Thiago Barison comentam os desafios da luta por direitos dos motofretistas

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Para o ato do próximo dia 25, a ação dos entregadores ainda não foi divulgada, mas eles esperam uma adesão ainda maior - Pedro Caldas/Jornalistas Livres

O Programa Aqui Pra Nós da última terça-feira (07) levantou o tema "Precarização do Trabalho e a Luta dos Entregadores de Aplicativo" numa conversa com Rodrigo Lopes, Presidente da Associação de Motofretistas de Pernambuco (AMAP-PE) e Thiago Barison, advogado e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), que falaram sobre os desafios da luta dos entregadores, que paralisaram o país no último dia 01 de julho, e quais os desafios legais para cobrar mais direitos às empresas de delivery. O Aqui pra Nós acontece ao vivo toda terça-feira, a partir das 19:30h no canal no Youtube do Brasil de Fato Pernambuco. Confira os principais pontos da entrevista:


Mais do que taxas

“Já que nós estamos garantindo que as pessoas se resguardem em casa, vamos pensar nesse retorno aos entregadores” pede Rodrigo, que explica que além do aumento das taxas de entrega, a luta aqui no estado tem outros motes “aqui o Recife a gente também protestou contra as multas aplicadas injustamente aos entregadores que precisam pagar zona azul mesmo para a entrega “a gente trabalha 8, 10, 12 horas por dia, e precisa pagar isso também?”. Rodrigo também relembra que a Secretaria Estadual de Saúde não incluiu os motofretistas como serviço essencial, excluindo a categoria dos grupos prioritários para a vacina da gripe. 

Unidade e solidariedade

Par  o ato do próximo dia 25, a ação dos entregadores ainda não foi divulgada, mas eles esperam uma adesão ainda maior, como conta Rodrigo “A gente tá se mobilizando e quer trazer mais gente. A gente precisa de mais gente para pra atingir o bolso deles. Incluindo bikes e motos, são mais de 50 mil entregadores de app aqui em Pernambuco. Se a maioria falar que não aguenta mais, eles vão ter que negociar. No dia 25 o que vamos realmente fazer ainda é segredo, mas estamos bem alinhado com outros estados pra gente não perder o foco. O que a gente quer é dialogar com os aplicativos” 

Ele explica que a AMAP representa majoritariamente os motociclistas, mas os entregadores de bicicleta que atuam “pedalam 50km por dia, haja canela! Imagine que eles ganham bem menos que nós de moto. Nós temos uma boa relação com eles, porque eles são bem explorados. Eles marcaram presença também com a gente. Já teve até motorista da Uber querendo se juntar ao nosso ato, e se for pra somar, que venham também”


Empreendedor?

“É uma jogada de marketing. Eles chegam nessa ideologia de você ser dono do seu negócio, fazer seu horário, criando essa ideia de que as pessoas trabalham para si” Rodrigo contrapõe o discurso das empresas explicando como o trabalho de entrega é exaustivo “a maioria dos entregadores traça uma meta por dia, por exemplo, 100 reais, mas não é todo dia que você tem a quantidade de entregas num valor pra chegar nessa meta, pra gente poder tirar o que gasta de gasolina, dados móveis, tração, pneus. O corpo não aguenta a fadiga. O trabalhador mais jovem começa aguentando a jornada, mas com o tempo ele fica estressado, não consegue se concentrar. É ali que ele desperta, porque é remar contra a maré” desabafa. 

Terceirização 

O advogado Thiago Barison relembra que o PL da terceirização, aprovado em 2018, abriu portas para uma maior exploração dos trabalhadores “A terceirização revela uma farsa patronal. Porque ao invés de contratar um trabalhador, a empresa contrata outra empresa que contrata um trabalhador. Na história, isso se chama comércio de gente, porque isso sempre existiu para tirar os direitos daquele trabalhador e aumentar a exploração dele, porque o lucro para pagar a empresa que intermedia essa relação vem do trabalho daquela pessoa” 
Ele também explica que a justificativa de reduzir direitos para ampliar empregos não corresponde com a realidade do Brasil, que enfrenta ao mesmo tempo a retirada de direitos trabalhistas e altos índices de desemprego “você reduz a renda do trabalhador, que ganha menos por entrega, aí  ele gasta menos, então compra menos, isso tem um impacto na indústria e por aí vai. Um ótimo exemplo é o dos entregadores. O primeiro direito pelo qual os trabalhadores lutaram foi esse de uma carga máxima de trabalho. O tempo não volta mais, mesmo remunerado. A classe trabalhadora sempre se organizou para lutar pela redução da jornada de trabalho, o 1º de Maio nasceu assim” relembra.

Proteção social

“Esse é um desafio colocado para todos nós e ela só virá da luta dos entregadores. Esse é o caminho principal para garantir a proteção do d trabalhador”. O advogado explica que as empresas não têm gerentes diretos, mas que elas regulam o trabalho, selecionando tarifas mais baixas e corridas mais longas, o que tem um impacto direto no aumento da jornada de trabalho para não diminuir a renda do entregador “As empresas não são mediadoras entre o entregador e o cliente, elas trabalham para elas mesmas, tanto que existem suspensões, taxas, desligamentos, então isso tudo pode até ser reconhecido como um vínculo de emprego. É colocar a vida dos trabalhadores dentro do algoritmo”. 

Rodrigo mostra que quando um entregador se fideliza ao aplicativo, ele vai diminuindo a margem de lucro das taxas que logo no começo eram atrativas e que reforçar superficialmente o discurso do entregador empreendedor “no começo, você recebe as melhores taxas e corridas, mas quando o algoritmo vê que o trabalhador está ali no embalo, as taxas de 8 reais caem para 7, 6, 5, mas como o trabalhador já está ali… O cara que fazia 250 reais por dia com 8 reais por entrega ganha bem e ele projeta aquilo pro mês, mas depois o aplicativo do manda entrega de taxa baixa. Num dia ganha 250, no outro ganha 80? É assim que o algoritmo direciona isso. Ninguém lê os termos e condições inteiros, mas é ali que o aplicativo se assegura e o trabalhador é lesado”. 

Apoio

A ideia de paralisar as atividades já vinha de muito tempo, mas Rodrigo coloca que a pandemia, por ter escancarado as contradições na vida daqueles trabalhadores, foi um momento estratégico para as paralisações “no dia do ato me ligaram e disseram que no Centro de Convenções tinha viatura, cavalaria, tudo, a gente ficou com medo. Graças a deus não aconteceu nada. A gente parou em Boa Viagem, almoçou as quentinhas que o MST nos ofereceu e foi muito importante. Toda ajuda é bem-vinda. Eles também distribuíram cestas básicas para outros entregadores no fim de semana. Nossa estratégia é chamar a sociedade pro nosso lado. A categoria é vista como marginal pelas pessoas. No dia 1º os aplicativos nem chegaram a divulgar o prejuízos, mas de coisinha em coisinha vamos criando algo maior”

Brechas no direito do Trabalho

Barison afirma que toda forma de se organizar para lutar é importante, que o judiciário e o Estado tem um processos burocrático para reconhecer organizações sindicais “sindicato é essencialmente a associação de trabalhadores lutando pelos seus direitos. Ao redor do mundo existem outros nomes, mas finalidade é essa, começa com isso. Não é necessário que seja um sindicato oficial, porque a lei atrapalha e intervém na possibilidade dos trabalhadores se organizarem reconhecendo apenas os sindicatos reconhecidos judicialmente. Mesmo sem sindicato, o importante é reunir os trabalhadores e fazer a luta. É causando esse prejuízo aos patrões que eles se abre a negociação” argumenta. 

Ele explica que em alguns locais brechas jurídicas foram encontradas e favoreceram os trabalhadores, mas os maiores beneficiado na justiça são os apps “é possível mover uma ação reivindicando vínculo de emprego. Em ações do Ministério Público a Loggi foi obrigadas a reconhecer que existe um vínculo com os trabalhadores, mas as empresas têm ganhado esses processos com essa argumentação de que o entregador é um empresário e ela apenas intermedia a relação”. 

Quem lucra com as entregas?

“A empresa não é parceira na hora de dividir os lucros, isso vai pra ela. O lucro dessas empresas é bilionário e isso aconteceu em pouquíssimo tempo. Não há autonomia, o trabalho é todo organizado pelo algoritmo”. Barison relembra que a contrarreforma trabalhista não impede a atual forma de trabalho dos entregadores, que pode ser qualificado como trabalho intermitente “A opção de não ir trabalhar até existe, mas ela implica direto na renda daquele trabalhador, além e do que é comprovado que as empresas punem quem não é produtivo. O que isso senão subordinação?” questiona.

Edição: Monyse Ravena