A cloroquina e a hidroxicloroquina são o carro-chefe neste debate, mas a moda da vez é a Ivermectina
A propagação de notícias falsas é um velho problema. Engana-se quem atribui o famoso fenômeno das chamadas fake news apenas aos dias atuais. A história está repleta destas falsas notícias que ajudaram a definir o rumo da humanidade. Para não ir muito distante, dá pra citar de cabeça o tal do Plano Cohen, anunciado como um suposto plano comunista para tomada do poder no país, mas não passava de uma conspiração elaborada por militares brasileiros. O resultado foi a suspensão dos direitos constitucionais naquela época e o estabelecimento de uma ditadura no país. Ou, para trazer um exemplo mais recente, como não lembrar das acusações dos Estados Unidos de uma suposta existência de armas de destruição em massa no Iraque em 2003? No fim, nada disso era real e apenas serviu para justificar mais uma longa e sangrenta guerra dos Estados Unidos em território iraquiano.
Dito isto, acho necessário reforçar que se não são novidades, as fake news ganharam muito mais agilidade e penetração em tempos de WhatsApp e redes sociais no mundo inteiro. E, neste cenário, muitos são os impactos sentidos na vida da nossa população, direta ou indiretamente. Particularmente danosos são os impactos gerados pelas notícias falsas que tratam de assuntos da saúde.
A Covid-19 e suas consequências têm sido um prato cheio para notícias deste porte. São incontáveis as oportunidades em que me vi perdendo tempo em debates sobre se o vírus seria uma arma biológica criada pelos Estados Unidos ou pela China, por exemplo. Ou explicando que o uso de máscaras não diminui a imunidade e nem aumenta a chance de infecção. Mas de todas elas, as que me incomodam mais e são mais danosas são as que tratam de supostos tratamentos.
Talvez os impactos em nosso país, devido a estes supostos tratamentos, não sejam tão drásticos quanto no Irã, onde centenas de pessoas perderam a vida ao ingerir uma bebida à base de metanol, prometida como eficaz contra a Covid-19. Mas não deixam de merecer também atenção e cuidado. Já passa da casa da dezena o número de drogas anunciadas como supostamente eficazes contra a doença. A cloroquina e seu derivado, a hidroxicloroquina, são o carro-chefe neste debate, mas a moda da vez é uma droga chamada Ivermectina. Os defensores parecem realmente ignorar que esta droga obteve apenas resultado em laboratório e que, para obter a resposta no corpo, precisaríamos de pelo menos uma dose 17 vezes maior que a dose máxima prevista para humanos. Logo, uma dose que supostamente pudesse tratar a Covid-19 teria grande chance, dada a sua toxicidade, de matar o ser humano junto. Não parece, realmente, uma boa ideia.
No fim das contas, fico me perguntando o que leva alguns profissionais a defenderem drogas que são ineficazes para tratar Covid-19 ou qualquer outra doença. Inclusive, por vezes médicos e médicas com algum reconhecimento ou prestígio. O argumento é quase sempre o de que "não há tempo hábil para esperar estudos robustos", o que não faz o menor sentido. Descartados os que o fazem por má-fé, apenas para justificar o discurso genocida de Bolsonaro, só consigo pensar que é a velha dificuldade de a medicina reconhecer os seus limites. A velha dificuldade de o médico reconhecer que não é capaz de tudo e que, sim, ele não tem que ter um tratamento para tudo, inclusive para a Covid-19. A necessidade de fazer qualquer coisa, muitas vezes para atender a demanda de um paciente, é uma das possíveis explicações, como encontrei em um antigo artigo, de 2004, com título traduzido para o português "Por que os médicos usam tratamentos que não funcionam?"
Outra forma de explicar este fenômeno dos medicamentos se ampara no que conhecemos como pensamento mágico. Tal pensamento se trata de uma forma de compreender fenômenos, sociais ou biológicos, a partir de causas irreais. Geralmente quando ainda não se tem uma resposta para alguma pergunta. O dito pensamento mágico não é uma novidade. A novidade talvez se dê por nos encontrarmos em um momento em que a ciência sofre forte ataque por parte de setores como a extrema-direita e assim, os argumentos parecem ganhar um ar de seriedade.
Eu sigo na torcida diária para que uma nova droga, ou até mesmo qualquer uma destas já faladas, apareça como resposta efetiva contra a Covid-19. Até agora não há nada que aponte pra isso. E sendo assim, não devemos temer reafirmar o óbvio: nenhum destes ditos tratamentos deve ser utilizados simplesmente porque não funcionam. E pronto. Parar de perder tempo com isso e seguir na nossa batalha cotidiana contra a pandemia.
Edição: Vanessa Gonzaga