Pernambuco

EDUCAÇÃO

“A maioria dos estudantes não está pensando no futuro, está pensando em sobreviver”

No programa Aqui Pra Nós, Maisa Farias e Andrea Batista traçam panorama e desafios da educação durante e no pós pandemia

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Nesta quarta (15), o Governo do Estado anunciou um protocolo de volta ás aulas
Nesta quarta (15), o Governo do Estado anunciou um protocolo de volta ás aulas - Agencia Brasil

 

Nesta terça-feira (15), O Programa Aqui Pra nós debateu o tema "Trabalho Remoto e Precarização da Educação" com Andrea Batista, diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do estado de Pernambuco (SINTEPE) e Maisa Farias, professora da UNIP Caruaru e militante da Consulta Popular, falaram quais as perspectivas para educação neste período e os perigos do aumento da precarização da educação a partir de metodologias não presenciais de ensino. O programa vai ao ar todas as terças no YouTube (https://www.youtube.com/channel/UCQBKyJ2TW67mMD7xZCoyM7A), sempre a partir das 19:30h. Leia os principais pontos da conversa:

Fim do Fundeb

Com data prevista para acabar em dezembro, Andrea explica o impacto do fim do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb): “Estamos num governo que descaracteriza a educação. O fim do Fundeb é a garantia de que as políticas desse governo irão dar certo. O Fundeb é responsável por 60% do financiamento da educação, e vai até o dia 31 de dezembro. Se ele não for renovado e de forma permanente, 90% dos municípios do país vão afundar com a educação básica. Se não há uma política permanente, estamos colocando em risco 40 milhões de matrículas da educação básica. É uma perda generalizada. Educação não é gasto, é investimento. Temos que pressionar os nossos deputados para votarem a favor do Fundeb, que é um investimento necessário para manter a educação”. Na terça (14) a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação convocou um tuitaço para pressionar o legislativo para aprovar a renovação do fundo.

EaD x Ensino Remoto

Maísa, professora da rede privada de ensino que adota tanto as metodologias de aula presencial como de Educação à Distância (EaD) explica a diferença “Para a EaD existe toda uma metodologia pensada. A EaD tem um público específico, que é a classe trabalhadora de baixa renda, que não consegue acessar ou permanecer na universidade pública ou nas privadas de melhor qualidade por causa dos custos e acaba se tornando uma opção. Isso porque não estou entrado no mérito de discutir o nível de qualidade do ensino á distancia”

Já a educação remota, como ela pontua “É algo novo. Esse trabalho remoto agrava a precarização da educação com a sobrecarga de trabalho. Já temos na realidade educadores que trabalham em duas ou mais instituições que vem adotando métodos diferentes e ele acaba trabalhando muito mais nessa adaptação. Ainda tem a questão do acesso à internet. É uma realidade bem diferente do ensino presencial e pode trazer sérias consequências para a educação”

Retorno ás aulas 

Nesta quarta (15), o Governo do Estado anunciou um protocolo de volta ás aulas, mas ainda sem data estabelecida. O documento prevê medidas como rodízio de estudantes nas instituições de ensino, além do protocolo para distanciamento social, medidas de prevenção e proteção e comunicação para a Educação Básica, Ensino Superior e Cursos Livres (cursos de línguas, cursos técnicos, qualificação profissional e outros). A Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) lançou em junho o documento "Diretrizes para a Educação Escolar durante e pós-pandemia - contribuições da CNTE". O material propõe estratégias de retomada das aulas com foco na defesa da vida e contra as desigualdades na educação, mantendo a escola pública brasileira como espaço de efetivo direito à aprendizagem dos estudantes e de exercício permanente da cidadania. 

Mas mesmo com as propostas, Andrea pontua que é o retorno, previsto em algumas instituições para o mês de agosto, é precoce “É um tema delicado para ambos os lados. Não é o momento seguro para voltar. Se os adultos não estão prontos, avalie as crianças, os adolescentes. São cinco mil mortes no estado. A gente não está preparado. É preciso organizar as escolas. Tem escola sem água, sem banheiro, sem sabão. Como essas pessoas vão ter a higiene necessária? Pernambuco não está preparado. Nós estamos tentando mostrar que não é de qualquer jeito que se faz, porque a vida vem primeiro. Se a gente faz isso, a gente garante a nossa vida e da nossa família esteja segura.

Evasão escolar e Enem

Uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Juventude apontou que entre os estudantes secundaristas, 7 em cada 10 relataram piora no estado emocional durante a pandemia e 28% pensam em não voltar à escola ao final do isolamento social. além disso, metade cogita desistir do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). 

Andrea ressalta que o problema também aflige os profissionais da educação “a dificuldade não é só para o estudante, mas é para o trabalhador também. Uma pesquisa do Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente (Gestrado) mostra o desafio: quase 90% dos professores afirmam que nunca tiveram experiência sem aula remota e 42% não teve nenhuma formação para usar essas tecnologias, sendo que 82% estão dando aulas online” afirma. 

Ela aponta que com suspensão das aulas presenciais, a desvantagem é ainda maior para o estudantes que vão prestar o exame e estão sem aula ou recursos tecnológicos para estudar “Para quem está terminando o ensino médio e não tem acesso à tecnologia, essa pessoa se vê em desvantagem com o estudante da escola privada que tem acesso a essas tecnologias. Você acha que em janeiro os estudantes tem condições de fazer o Enem? Não tem! A maioria não está pensando no futuro, está pensando em sobreviver e manter sua família viva. É uma adversidade geral e nós precisamos conquistar de novo nossos estudantes, mas é dando oportunidade a eles. Se a gente tivesse um governo decente, que não fosse negacionista, talvez a gente não estivesse do jeito que está” lamenta.

EaD como projeto

Mais aponta que todo esse cenário de aulas remotas e EaD pode, a longo prazo, restringir ainda mais o acesso á educação de qualidade “A gente tem problemas estruturais , um histórico de precarização, de negação do direito à educação, especialmente no campo. A educação vem sendo precarizada há muito tempo e no meio desse caminho ainda tem uma pandemia. Nós ainda estamos vivendo isso, só vamos entender os custos disso lá na frente” projeta.

Ela também afirma que o setor privado pode aproveitar esta conjuntura para colocar a Educação à Distância como regra “Os empresários vão se utilizar desse momento para fazer uma disputa de narrativas disseminando essa ideia de que outras pandemias podem acontecer e isso pode ser utilizado como uma forma de garantir a educação da classe trabalhadora a baixo custo com a EaD como projeto. Há um prejuízo para a sociedade na não-educação dessa classe trabalhadora jovem. A pandemia pode ser uma alavanca para efetivar a educação à distância”.

Edição: Monyse Ravena