No último dia 25 de Julho foram comemorados o Dia da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha e também o Dia do Escritor. Em todo o Brasil, diversas mulheres negras se utilizam da escrita para contar as suas histórias e para lutar contra as opressões impostas pelo racismo, pelo machismo e pelo patriarcado, a exemplo de Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo e Maria Firmina dos Reis, com obras reconhecidas nacional e internacionalmente. Elas utilizam o poder da palavra e dos versos como ferramenta de denúncia e transformação social.
"Se a gente for olhar na nossa literatura, por vezes as mulheres negras são citadas e tratadas com estereótipos, mas não há uma valorização das histórias contadas por essas próprias mulheres”, afirmou a baiana Jamile Araújo, que é física, comunicadora popular e escritora.
Jamile é umas das autoras do livro "De Bala em Prosa", que reúne textos de diversos autores que falam sobre as expressões do racismo no Brasil. O nome do livro faz uma referência a a morte do músico Evaldo Rosa e do catador de materiais recicláveis Luciano Macedo causada por 80 tiros disparados por policiais militares do Rio de Janeiro em abril de 2019.
Jamile exemplifica que algumas trajetórias demoram a ser reconhecidas “A gente tem como exemplo é a própria Carolina Maria de Jesus, que era catadora de material reciclável, e escrevia nos seus diários a partir das angústias que ela sentia, da fome, do peso de ser mãe solteira que precisava sustentar dos seus filhos, de ser mãe solteira e pobre, e a partir disso foi a forma dela falar das suas angústias. O livro foi traduzido, ficou famoso, mas essa forma de escrita ainda não é valorizada".
Apesar de sempre ter utilizado da escrita como uma forma de expressar as suas emoções, Jamile se dedicou à formação superior em física antes de se tornar escritora, mas depois foi voltando a sentir necessidade de utilizar a palavra como forma de se expressar após se deparar com diversas formas de opressão e preconceitos. "Com o período da formação em física isso ficou meio adormecido, mas, a partir do momento que eu ingressei nos movimentos sociais, isso meio que voltou à tona, sobretudo quando eu tenho um contato com a leitura de mundo, entender o que é o racismo, o que é o machismo, o que é o patriarcado, a exploração dos trabalhadores”, disse Jamile, “Isso trouxe a angústia, mas também me fez ter vontade de voltar a escrever e me expressar".
Para a poetisa recifense Luna Vitrolira isso não foi diferente. Ela começou a viver a poesia nas ruas através de um projeto chamado Agentes da Palavra, onde viajava pelos sertões e pelas periferias para levar seus versos. “O agente de saúde ele vai de de casa em casa para verificar água, para dar uma informação, a gente ia para dizer poesia”, relembra.
Ela aponta que sempre teve na escrita um instrumento de autocuidado através dos diários e, com o passar do tempo descobriu na palavra o papel de dar voz àqueles que são oprimidos. “Quando eu começo na literatura, infelizmente eu não começo com essa consciência desse papel tanto artístico, quanto político, quanto poético-literário. Mas intuitivamente eu sempre tive a poesia como guiança, então eu vou pra rua com um posicionamento político, mesmo que esse posicionamento não estivesse no meu discurso, estava na minha prática”, afirmou a poetisa.
A literatura tem o papel de fazer as escritoras encontrarem a própria voz dentro do lugar onde vivem, sendo utilizada como instrumento de denúncia e uma forma de se chamar atenção. “A minha poesia começa no sertão, então quando eu começo a declamar no sertão para pessoas sertanejas, isso tem um lugar de identificação também. Então isso respaldava e fundamentava tudo o que eu comunicava para as pessoas”, disse.
Luna também percebe em sua poesia uma função social “Então, para mim, a minha poesia sempre esteve nesse lugar político, sempre foi uma ferramenta de transformação social, de conscientização, de humanização. Hoje a minha poesia fala da minha voz, da minha vida, do meu lugar de fala, do lugar de onde eu vejo o mundo. Então passa pelo lugar de ser uma mulher negra, uma mulher negra, gorda, nordestina e sertaneja”.
Edição: Vanessa Gonzaga