O mês de agosto é conhecido como Agosto Dourado porque simboliza a luta pelo incentivo à amamentação. A cor dourada está relacionada ao padrão ouro de qualidade do leite materno, que já foi comprovado como um alimento completo para crianças de até 6 meses de idade.
Para entender os benefícios e mitos da amamentação, o Brasil de Fato Pernambuco conversou com Danny Silva, doula e consultora em aleitamento materno, que ressalta que o direito à amamentação esbarra em questões sociais e de classe no Brasil. Confira a entrevista:
Brasil de Fato Pernambuco: Qual o principal impacto na vida do bebê ao garantir o aleitamento materno exclusivo até os seis meses, que é a recomendação da Organização Mundial da Saúde?
Danny Silva: Para o bebê, os benefícios são inúmeros: diminuição de morte súbita, redução do risco de obesidade futura e de vir a ser fumante são alguns exemplos. É absurdo pensar, mas o aleitamento materno está diretamente ligado à disfunções orais de pessoas adultas, incluindo o tabagismo. Então ele tem menos risco de ter algumas doenças, como as doenças da maternidade, hipertensão infantil ou diabetes infantil. Previne também a arcada dentária, melhora a digestão, diminui as cólicas. São só benefícios.
Além disso, alguns estudos relacionam diretamente o aleitamento materno à capacidade intelectual do bebê. Os bebês que são alimentados no peito têm um vínculo maior com a mãe, e consequentemente eles têm uma ligação maior com a escolaridade.
BdF PE: E para mãe, quais são os benefícios?
Danny: Para a mãe, um dos maiores benefícios do aleitamento materno imediato é a redução do tamanho uterino; isso falando no pós-parto imediato, onde a mãe precisa manter essa oxitocina circulando no corpo para reduzir o tamanho do útero e isso diminui as chances dela ter uma hemorragia.
Também auxilia na volta ao peso anterior à gestação, que é uma preocupação muito grande para muitas mães. Apesar de ser algo mais estético, para algumas mulheres é importante. Manter a autoestima impacta na amamentação, então isso também pode ser pontuado. Para além disso, quando a mãe está amamentando elas conseguem manter uma alimentação mais saudável. Também diminui as chances da mãe ter um linfoma ou doença de Crohn.
BdF PE: Mesmo com o incentivo, muitas mulheres optam por alimentar a partir de fórmulas ou de alimentos industrializados porque sofrem com problemas durante o aleitamento. Como é possível prevenir esses problemas?
Danny: A maior parte dessa prevenção se dá com informação. Uma mulher bem informada consegue lidar melhor com os problemas que ela venha a ter com a amamentação. Existem duas grandes causas de desmame no mundo: a primeira delas é dor e a segunda é a sensação real ou imaginária de pouco leite.
Sendo a dor a primeira causa, a gente precisa tratar o problema. Mastite causa dor, fissura causa dor, pega errada causa dor, língua presa também. A dor é a consequência, mas existe algo previamente. É uma fissura? O que está causando essa fissura? É uma pega errada? É uma anatomia que não favorece? É preciso ter essas informações, começando pelo pré-natal e também no pós-parto imediato, para identificar esse problema e saber lidar com ele.
Quando a gente fala que as pessoas optam por dar fórmula, não é bem uma opção. Opção é quando escolhe, mesmo sabendo dos benefícios e malefícios. Se a mulher teve uma mastite ou um ingurgitamento mamário muito doloroso, ela não escolheu, ela só teve essa alternativa.
BdF PE: Existe algum tipo de condição ou contraindicação que pode impedir que as mães amamentem?
Danny: Só existem duas coisas que podem impedir o aleitamento com recomendação médica: HIV positivo, com o vírus circulando no momento do aleitamento, ou herpes na região aréolo-mamilar. Tirando esses dois motivos, nada impede o aleitamento. Nem uso de medicação. Muitos médicos dizem para mãe desmamar por causa de medicação, mas estudos mostram que o bebê não recebe carga desses remédios, porque o que passa para o leite é muito pouco.
BdF PE: Falamos desse aspecto mais prático e médico da amamentação, mas existe também uma questão social: muitos mitos sobre a amamentação, muito conservadorismo e muito machismo contra as mulheres que amamentam em público. Como conseguimos construir um ambiente seguro e acolhedor para amamentação na sociedade?
Danny: Pra ter o aleitamento a gente precisa de duas coisas: uma mãe e rede de apoio. Se você não tem rede de apoio, não tem estrutura física ou psicológica para amamentar, não tem como fazer isso.
A gente vem de uma sociedade de vários mitos: o mito do leite fraco, o mito do bebê grande que está mamando demais na mãe, o mito de que as mães que passaram muito tempo amamentando não vão se desvincular desse bebê, que vão se tornar escravas desse bebê, enfim… Então o primeiro passo é garantir a essa mulher uma rede de apoio.
Dizemos muito que amamentar é de graça. Quando as mães optam por dar fórmula, as pessoas dizem assim: por que você vai comprar fórmula se amamentar é de graça? Precisamos parar de dizer isso. Amamentar não é de graça: exige tempo, disposição, psicológico bom e principalmente que ela tenha pessoas que vão estar com ela para apoiar essa amamentação. Não adianta ela ter peito, leite e o bebê, se ela tiver que dar conta das demandas de casa, retornar ao trabalho precocemente, por exemplo.
As mulheres que conseguem amamentar pelos seis meses exclusivos são privilegiadas, porque elas conseguem ter estrutura física, emocional, apoio e condição de manter esse aleitamento. Às vezes mesmo quando ela volta ao trabalho com os quatro meses de licença-maternidade, ela consegue manter o aleitamento em exclusivo porque ela tem quem oferte esse leite para o bebê, tem como ordenhar esse leite, tem como refrigerar esse leite pro bebê.
Socialmente nós somos um país com um desempenho bem ruim. A média de amamentação no Brasil é 54 dias, de amamentação exclusiva, quando a OMS recomenda no mínimo 120, mas o ideal é 180. Então com essa média a gente precisa ver onde está a raiz desse problema, que tem contexto histórico, social, classe, gênero e cor. Para manter um aleitamento exclusivo precisamos primeiro compreender como é esse universo e proteger essa amamentação. Eu disse a “mulher”, mas temos também que compreender que homens trans também amamentam.
Então para que tenhamos o aleitamento seguro precisamos criar espaços para isso, precisamos que as pessoas compreendam a importância da amamentação para o bebê e para a mãe e que elas mantenham isso como uma forma do aleitamento materno sair do privilégio. Precisamos tirar isso do privilégio e trazer isso pra todas as mulheres, que não é a realidade que vemos hoje.
Transcrição: Julia Vasconcelos
Edição: Vanessa Gonzaga