A crise do coronavírus continua em alarmante ascensão no Brasil - já são mais de 100 mil mortos e 3,4 milhões de infectados pela covid-19. Os reflexos da pandemia na dinâmica social estão evidentes na superlotação do sistema de saúde e no aprofundamento da crise econômica. Neste momento, cientistas de vários países dizem estar próximos de uma vacina, porém muitas dessas pesquisas ainda precisam de fases de testes, o que deixa a população mundial sem muitas perspectivas concretas, a curto prazo, e convivendo com um sofrimento da incerteza diariamente.
Na contramão da defesa da vida, o setor mineral brasileiro segue sua marcha de exploração dos trabalhadores e trabalhadoras e da natureza. Apoiadas pelo governo Bolsonaro - que incluiu a mineração como “atividade essencial” por meio da publicação do Decreto nº 10.329, em 28 de abril 2020 - as empresas de mineração não paralisaram e nem mesmo flexibilizaram suas atividades, ignorando a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e dos especialistas em epidemiologia de que a prioridade é garantir o distanciamento social e evitar aglomerações.
Em plena crise sanitária, diversas famílias de trabalhadores do setor e das populações localizadas nos arredores das minas estão sendo expostas a graves riscos de contaminação, tanto pela possibilidade de contraírem o vírus, quanto pelos impactos à saúde gerados pela atividade. Dessa forma, tratar a atividade mineral como essencial, em meio a uma pandemia, tirando o direito ao isolamento social dessa categoria sem ao menos uma consulta e/ou diálogo democrático, impondo que estes se aglomerem e elevem os riscos para seus familiares e comunidades é uma medida irresponsável e criminosa.
Ao longo do avanço e da interiorização da pandemia do coronavírus, a problemática da continuidade das atividades minerárias chega também ao Araripe, localizada na mesorregião do Sertão de Pernambuco. A região compreende os municípios de Araripina, Bodocó, Exu, Granito, Ipubi, Moreilândia, Ouricuri, Santa Cruz, Santa Filomena e Trindade. O estado de Pernambuco é considerado o maior produtor de gesso do Brasil, com mais de 90% da produção nacional, com grande concentração no Polo Gesseiro do Araripe, abrangendo os municípios de Trindade, Araripina, Bodocó, Ipubi e Ouricuri.
Os primeiros casos confirmados da covid-19 na região foram registrados no dia 13 de maio no município de Ipubi. No dia 17 de julho, foram contabilizados 1.179 casos confirmados e 45 óbitos. Nessa semana, o número saltou para mais de 2.907 casos no Sertão, com maior incidências de casos confirmados e óbitos nos municípios minerados.
Dessa forma, é preocupante o aumento de casos confirmados nos municípios em que existe a atividade minerária de gesso. Tal atividade, além dos graves problemas ambientais, gera efeitos na saúde da população dos arredores e principalmente de quem trabalha no polo e seus familiares.
Nesse sentido, fica a pergunta: há condições sanitárias suficientes como água potável, materiais de uso pessoal, local para higienização adequado, EPIs, dentre outras para manter a atividade produtiva de gesso, em tempos de pandemia, sem colocar em risco a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras? Até onde a atividade gesseira é essencial neste momento? O objetivo e quantidade da produção gesseira é para responder os problemas fundamentais que está inserido o povo brasileiro neste momento histórico?
O setor mineral neste momento comemora os lucros exorbitantes obtidos em meio a uma crise sanitária e genocídio humano. Em contrapartida nossa política fiscal estimula o saque, como o caso da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) entre as menores alíquotas comparado com outros países minerados e mineradores, associado a Lei Kandir enquanto instrumento de legalização do roubo das nossas riquezas, quando isenta as mineradoras de qualquer Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Na mineração, empresas superam seus lucros a cada ano, mesmo durante uma pandemia, com uma porcentagem cobrada pela CFEM que é considerada muito baixa, não chegando a 3% do lucro líquido das empresas que extraem no Araripe, o que explicita a necessidade de um debate democrático com a população, de popularização da CFEM e extinção da Lei Kandir.
No entanto observamos as empresas aumentarem seus lucros em meio a pandemia, enquanto o desemprego é crescente por não haver diversificação econômica em regiões de minério-dependência, como no Sertão do Araripe.
A indústria extrativa da mineração, para esconder a sua face perversa e trágica da história segue com ações de mídia e de propaganda para criar uma imagem de que se importam com a saúde da população e que têm responsabilidade social, porém os dados falam por si só. Nos territórios minerados existe uma intensificação de contaminação e mortes, como acontece no Sertão do Araripe.
Enquanto corporações, empresas internacionais e o governo comemoram os bons números sobre vidas ceifadas pelo lucro, trabalhadores e trabalhadoras da mineração são expostos à péssimas condições de trabalho. Vivenciamos diariamente a expansão da mineração e, logo ao seu lado, a contaminação do coronavírus nas populações mais pobres que vivem nos municípios minerados, que consequentemente expõem as contradições do setor aumentando os conflitos nos territórios.
Na tabela acima é possível verificar que os dados fornecidos pela Agência Nacional de Mineração (ANM) estão incompletos, o que deixa várias dúvidas e questionamentos: nos meses em que não estão apresentados os valores, não houve arrecadação ou extração? Os valores arrecadados nesses meses não foram lançados pelas prefeituras? Como é possível não haver valores de arrecadação se a mineração segue avançando com sua atividade?
Preocupa ainda o fato do município de Trindade não ter registro de atividade minerária, não apresentar arrecadação em 2020 e nem mesmo em anos anteriores, apesar de ser impactado de várias formas pela mineração. Com a manutenção da mineração na região ocorre a circulação de máquinas e caminhões; poeira; fortes explosões nas divisas com outros municípios minerados e a aglomeração de trabalhadores e trabalhadoras e da população que consequentemente leva o município a ser um dos mais afetados pela covid-19.
Com as contradições do capital mineral e as disputas capital x natureza, em uma sociedade globalizada e marcada pela violência, corrupção e o saque dos bens naturais e da vida, se faz urgente e necessário um debate do problema mineral de forma coletiva, popular e democrática. Os objetivos da construção de uma soberania popular na mineração, tendo como protagonista o interesse do povo brasileiro, são os caminhos de luta que devem ser percorridos e as utopias coletivas a serem alcançadas.
*Amanda e Adonias são militantes do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) em Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga