Há exatamente 24 anos, o primeiro Seminário Nacional de Lésbicas reconhecia o mês de agosto como o Mês da Visibilidade Lésbica, tendo o dia 29 como data central. Desde então, coletivos, movimentos e entidades ligadas a pauta da diversidade sexual e de gênero vem lutando no combate a todas as formas de opressão, e nesse mês, em especial, da lesbofobia, que é discriminação e o preconceito contra mulheres lésbicas.
Para falar sobre o tema, o programa Aqui pra Nós desta semana conversou com Clarissa Nunes, que é advogada criminalista e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e colunista do Brasil de Fato Pernambuco. O programa acontece ao vivo, todas às terças-feiras, a partir das 19:30 no Youtube. Confira os principais pontos da conversa:
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Visibilidade
Clarissa faz uma relação entre a falta de visibilidade e os números de violência lesbofóbica “A violência por trás da lesbofobia vem dessa ausência do poder de fala e um silenciamento das mulheres lésbicas. Por isso a semana é tão importante, para debater esses assuntos que acabam se perdendo durante o resto do ano. É importante para mostrar que existe uma comunidade política ativa, organizada, fazendo ações diretas, atuando academicamente” pontua.
Para ela, a visibilidade também tem um impacto positivo na elaboração de políticas públicas para as mulheres lésbicas “são políticas públicas que são singulares, porque precisam de coisas específicas para essas mulheres, mesmo quando se pensa numa política LGBT no geral”.
Lesbofobia
A advogada explica que a lesbofobia, além de levar em conta a sexualidade, tem elementos do machismo e do racismo “A violência lesbofóbica, por ser cometida contra mulheres, além do machismo e de reforçar o papel de homens e mulheres na heteronormatividade, sempre coloca a mulher como um sujeito social e politicamente inferior ao homem. Ela é uma forma específica de violência de gênero que carrega junto com ela a questão da sexualidade”.
Ela também aponta exemplos dessas violências “existem casos de mulheres que são impedidas de fazer exames ginecológicos, há problemas na relação de trabalho porque essas mulheres às vezes não estão nesse padrão de feminilidade que a sociedade espera. Uma outra coisa é o racismo, tanto no silenciamento dessas mulheres quanto na violência institucional”.
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Lesbocídio
A falta de estatísticas em torno da violência sofrida pelas mulheres lésbicas tem uma relação direta com a invisibilidade, como aponta Clarissa “De forma generalizada há uma banalização da violência, junto com a dificuldade de apreender esses casos, porque esbarra numa abordagem lesbofóbica nas investigações e no apagamento da sexualidade dessa mulher” afirma.
O Dossiê do Lesbocídio, feito em 2018, é um dos poucos documentos que sistematiza alguns dados. Ele que aponta que 126 lésbicas foram assassinadas no país entre 2014 e 2017. 71% desses crimes aconteceram em espaços públicos e 83% das mortes foram causadas por homens. “No caso do lesbocídio a maioria dos acusados são desconhecidos, que acabam cometendo um crime de ódio contra a vida de mulheres lésbicas. Tem um outro elemento que uma parte desses lesbocídios acontece por ex-companheiros dessas mulheres, que agora vivem um relacionamento lésbico”, explica a advogada.
Direitos
Nesse momento conjuntural, Clarissa aponta algumas frentes de luta onde movimento vem atuando “Quando estamos numa conjuntura em que o conservadorismo avança, a bandeira principal é se manter viva. O presidente tem falas extremamente misóginas, contra o público LGBT e as mulheres”.
Ela elenca duas pautas que têm um impacto direto na vida das mulheres lésbicas “Claro que existem várias bandeiras, como o acesso a saúde física e mental, o que a gente sabe que só é possível pelo SUS, porque a saúde privada não tem esse interesse do ponto de vista social; Tem o direito ao trabalho, porque muitas vezes não se aceita a identidade dessas mulheres, o que acaba gerando situações de assédio moral e sexual. As mulheres acabam sofrendo violência machista e de cunho sexual, o que exige conscientização no local de trabalho”.
Desafios
Clarissa explica que mesmo dentro do movimento LGBT há a necessidade constante de autoafirmação das mulheres lésbicas “Existe uma parcela enorme da comunidade que não tem condições de ter uma vida plena, que é esquecida, e isso acontece dentro da luta LGBT. Há um olhar combativo das mulheres para que essa se torne uma agenda prioritária da luta LGBT. Pensar como racismo e essas outras coisas se atravessam é fundamental para entender como formulamos políticas”.
Como um desafio, a advogada reforça a necessidade de organização política das mulheres, mesmo com uma conjuntura adversa “Com esse avanço do fascismo, precisamos nos proteger. É se manter organizada, junto de outras mulheres, estar envolvida nesses trabalhos coletivos, para entender sobre outras realidades. É preciso unidade para avançar contra o fascismo porque ainda existe muita vontade de fazer um mundo melhor e querer ter o direito de amar outra mulher é uma das formas de mudar esse mundo. Vamos nos manter vivas e organizadas!” conclui.
Edição: Monyse Ravena