Pernambuco

QUESTÃO FUNDIÁRIA.

Conflitos pela terra e violência no campo intensificam em Pernambuco

Da zona da mata ao sertão, agricultores familiares e comunidades indígenas denunciam ofensiva contra os territórios

Brasil de Fato | Recife (PE) |

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No território Pankararu, no sertão do estado, as ameaças de morte são públicas - Reprodução

Os conflitos fundiários tem se acirrado nos últimos meses com ameaças e denúncias por todo o País e em Pernambuco isso não é diferente. Com um aumento das denúncias de ameaças e conflitos fundiários na Região Metropolitana do Recife, na Zona da Mata e no Sertão, incluindo disputas por territórios tradicionais que já tiveram decisão confirmando a propriedade dos povos originários sobre a região.

Só em 2019, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou no Caderno de Conflitos no Campo 1.833 conflitos no campo em 2019 por todo o país, o que representa um aumento de 23% em relação a 2018 e o maior número registrado pela comissão nos últimos 14 anos. Entre eles, 1.254 envolviam questões relacionadas á posse de terras, dos quais 1.206 envolveram alguma forma de violência, provocada por supostos proprietários e/ou grileiros. Esse foi o maior número de ocorrências de conflitos por terra já registrado pela CPT desde 1985. 

Em Pernambuco, de acordo com a CPT, há uma tendência muito forte de crescimento desses conflitos, não só na questão da luta pela terra, mas também acompanhada de violências, ameaças, intimidações e atentados. Uma das regiões onde os conflitos tem se acirrado é a Zona da Mata, onde famílias vem sendo alvo de conflito com empresas imobiliárias arrendatárias de usinas falidas com o objetivo de retirar os moradores, agricultores e posseiros a fim de utilizar as terras para a especulação imobiliária. 

Zona da Mata

No Engenho Batateiras, localizado no município de Maraial, cinquenta famílias que vivem dos frutos da agricultura familiar na área há setenta anos foram encurraladas em suas casas e tiveram todas as estradas de acesso aos sítios bloqueadas, inclusive a de uma via pública. Isso por que empresário alagoano Walmer Almeida da Silva alega que teria adquirido a área onde vivem as famílias e vem tentando expulsá-las da região.

Na última terça-feira (25), a questão foi denunciada na reunião da Câmara de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) pelo deputado Carlos Veras (PT-PE). Com isso, o presidente da CDHM, Helder Salomão (PT-ES) acionou o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, a Procuradoria-Geral de Justiça, a Defensoria Pública do Estado e o Instituto de Terras e Reforma Agrária do Estado de Pernambuco (ITERPE) através de ofícios solicitando que sejam tomadas medidas urgentes de proteção às famílias e ao território. Além disso, documento solicita a apuração de eventuais crimes e irregularidades.


Desde o mês de junho, as famílias do Engenho Batateiras relatam que estão sendo alvos de uma série de violações de direitos / CPT PE

No fim do mês de agosto, os moradores tiveram uma reunião com a Prefeitura de Maraial sobre a questão e depois disso, o empresário autorizou a abertura de um dos acessos. "Está agora uma porteira aberta e outras fechadas, aí a gente está na luta para ele abrir os acessos para a gente ficar de fato livre, porque a gente se encontra ameaçado morte", afirmou uma das moradoras, que preferiu não revelar a sua identidade, já que os conflitos se intensificaram nas últimas semanas.

Já na Zona da Mata Sul, o Engenho Fervedouro fica na cidade de Jaqueira. O local é ocupado por uma comunidade com cerca de 75 famílias posseiras enfrentam um conflito fundiário com a empresa Agropecuária Mata Sul S/A, que desde 2015 reivindica a posse do terreno de aproximadamente 5 mil hectares, chegando a entrar com um processo para reintegração de posse em 2018. 

A empresa é arrendatária das terras da Usina Frei Caneca, que funcionava no local, foi à falência e deixou 123 processos correndo na Justiça do Trabalho. Grande parte dos moradores foram funcionários da usina e moram no local desde a época que trabalhavam nela, residindo no local há mais de 60 anos.


Engenho Fervedouro, uma das áreas em conflito na Zona da Mata pernambucana / CPT PE

“A gente vê como a justiça está tratando os pequenos agricultores da agricultura familiar; em plena pandemia a gente não pode fazer nada, mas eles vêm com capanga, com polícia e tudo contra os nossos companheiros de luta pela terra”, afirmou um dos moradores do engenho que também preferiu não se identificar. Os moradores vêm denunciando nos últimos meses o acirramento do conflito, com tentativas de homicídio, a prisão de moradores e a contaminação das plantações com agrotóxicos.

Região Metropolitana

Cerca de 900 pescadores e pescadoras do bairro de Barra de Jangada, em Jaboatão dos Guararapes, temem perder a área onde se encontra a sede da Associação de Pescadores de Barra de Jangada (APBJ), devido à tentativa de reivindicar a posse do local pela Etasa Empreendimentos Turísticos S/A.  A sede está localizada em uma área de Marinha, ou seja, a posse é da associação desde 2003, há mais de 20 anos, mas a propriedade do terreno é da União. 


A sede está localizada em uma área de Marinha, ou seja, a posse é da associação há quase 20 anos, mas a propriedade do terreno é da União / Eddie Rodrigues/Salve Barra de Jangada

“A gente denunciou para o Ministério Público Federal desde janeiro e estamos aguardando que pelo menos seja marcada uma audiência. O ano está terminando e até agora nada”, lamentou o presidente da APBJ, Lot Bernardino de Sena, que completa “Enquanto isso, estamos vivendo conflitos entre os jagunços deles e os pescadores, bloqueando os acessos e intimidando os trabalhadores”.

Sertão

No território Pankararu, um terreno de 8.100 km² localizado entre os municípios de Jatobá, Petrolândia e Tacaratu, no sertão pernambucano, ex-posseiros perseguem lideranças locais e causam insegurança no território, descumprindo uma decisão judicial de 2017 que reconhecia os direitos territoriais do povo Pankararu. 

Desde então, os indígenas vem sofrendo ameaças, invasões e o desrespeito à cultura da comunidade com o corte de árvores consideradas sagradas e a destruição de lavouras. No final de julho, foi colocada uma placa com mais de 10 nomes de lideranças locais que estariam marcadas para morrer. 

"E tem que vir para nós, o povo Pankararu, a paz social, a certeza de ir e vir sem ser atingido ou violentado. É isso que estamos esperando, uma resposta das autoridades, porque estamos desprotegidos em todos os aspectos jurídicos e morais", afirma Zé Índio, um dos caciques Pankararu.


A luta pela demarcação do território passou por diversas instâncias e gerações e até hoje segue com repercussões / Reprodução

A liderança também que questionou o fato de ainda existirem cinco famílias de posseiros residindo no local, um descumprimento da decisão da justiça. “O que a FUNAI [Fundação Nacional do Índio] precisa é cumprir o seu verdadeiro papel e cumprir a determinação da justiça, tirar essas famílias posseiras que ficaram, pagar elas para elas saírem e investigar porque elas ainda estão lá. Porque esse pessoal ficou aí sem ser índio? Quem está por trás disso? Quem está por trás dessas ameaças?”, questiona. 

Segundo relatório da CPT, o principal foco dos ataques aos povos originários é sobre os territórios, para permitir a exploração de madeira, minério, expansão agrícola de fazendas, ou especulação imobiliária. Em 2019, 244 ocorrências de conflito por terra envolveram territórios tradicionais, 20% do total; o que resultou em 9 indígenas assassinados, sendo 7 lideranças. O número representa o maior número de lideranças indígenas assassinadas dos últimos 11 anos. Até o fechamento desta reportagem, não recebemos resposta da FUNAI sobre as famílias posseiras que permanecem no território e sobre a atuação do órgão quanto à situação.

 

Edição: Vanessa Gonzaga