A Portaria nº 2.282, de 27 de agosto de 2020, do Ministério da Saúde, gerou descontentamento entre profissionais da saúde, juristas, parlamentares e organizações feministas. A medida altera alguns procedimentos para a realização da interrupção da gestação em casos de gravidez resultante de violência sexual e quando a gestação gerar risco de morte à gestante, além de casos de anencefalia.
Com isso, a equipe médica passaria a ser obrigada a notificar à polícia sobre o acolhimento de pacientes quando houver indícios ou confirmação de crime de estupro, bem como deverão preservar possíveis evidências do crime de estupro, tais como fragmentos de embrião ou feto, para a realização de exames genéticos. Além disso, os profissionais seriam obrigados a oferecer a realização uma ultrassonografia do feto antes do procedimento.
O médico obstetra Olímpio Moraes, coordenador do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), entende que o documento fere o código médico dos profissionais. "É muito ruim transformar o médico em policial e isso vai contra o nosso código de ética médica, eu acho lamentável. Não pode ter um código de ética para homem e outro para mulher, isso é muito estranho. Porque imagina se chega um homem com uma lesão de agressão, será que a gente vai ser obrigado a comunicar a polícia que ele sofreu uma agressão e ele não quer denunciar? Isso não existe", afirma o médico.
Apesar da portaria ainda não ter entrado em vigor, Olímpio percebe que ela já gerou desconforto entre as mulheres que foram atendidas após a sua publicação. “A proposta dessa portaria é prejudicar a maltratar as mulheres, só isso, não tem outra função. Nós atendemos algumas mulheres depois da portaria e elas já chegam preocupadas que seja revelado isso, porque muitas vezes elas tem medo das consequências e em muitos casos o agressor está perto delas e elas não se sente segura no momento do atendimento para revelar isso e transformar isso em um processo criminal”, relata.
Entre as organizações do movimento feminista, o tema gerou revolta, uma vez que acreditam que seria um retrocesso ao direito das mulheres. “Com essa portaria e outros projetos, são inúmeros ataques que nós mulheres estamos sofrendo a esse aborto legal, a esse direito que conquistamos com a exceção ao crime de aborto, a todo momento grupos conservadores e religiosos tentam atacar esse direito das mais diversas formas”, afirmou a assistente social Gabriela Pessoa, que é militante da Marcha Mundial das Mulheres. “Se tratando especificamente do aborto a partir da violência sexual, isso foi uma conquista nossa, não só de uma organização ou de outra, mas de todas as mulheres do movimento feminista de uma forma geral, da luta das mulheres organizadas”, conclui.
Outro ponto que gerou indignação foi o fato do documento incluir entre os procedimentos realizados antes da interrupção da gravidez, que a equipe médica seja obrigada a oferecer à gestante a possibilidade de ver o feto. “Quando ele coloca para essa possibilidade de mostrar à vítima por exame de ultrassonografia aquele feto, o que se pode perceber é que, na verdade, se está tentando dificultar o acesso da vítima ao serviço de aborto, constranger a vítima. É uma norma que desumaniza a vítima de violência sexual para o atendimento ao serviço de abortamento legal, é colocar a vítima no lugar de criminosa”, afirmou Elisa Aníbal, jurista, educadora social e Assessora do Grupo Curumim Gestação e Parto, compõe a Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto. “A Frente já vem denunciando há algum tempo o avanço do fundamentalismo e com e com o governo federal tirando normas técnicas de humanização ao atendimento de mulheres e pessoas com útero vítimas de violência sexual e dificultando o acesso ao aborto legal no Brasil”, ressalta
Para o médico Olímpio Moraes, o que é questionado na portaria “são esses quatro pontos: a quebra do sigilo, o tido consentimento que coloca os riscos que são muito raros, eu não acho necessário colocar por ser uma coisa só para assombrar a mulher, mesmo; a inclusão do anestesista que não é necessário, na maioria das vezes não existe procedimento cirúrgico; e também coloca a obrigação do médico em oferecer ultrasom para ver o feto, o que é um requinte de crueldade, só quem tem muito ódio pelas mulheres para pensar nisso”.
O tema também tem gerado debate no Senado Federal e a Câmara dos Deputados, nos quais já foram apresentados Projetos de Lei a fim de derrubar a portaria. No Senado, o projeto foi apresentado pelo senador Humberto Costa, do Partido dos Trabalhadores, representando o estado de Pernambuco. O projeto ainda aguarda inclusão na pauta de votações pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre do Democratas, representando o estado do Amapá.
Na Câmara dos Deputados, um grupo de dez deputadas do Partido Comunista do Brasil (o PCdoB), Partido dos Trabalhadores (o PT) e o Partido Socialismo e Liberdade ( o PSOL) apresentou um projeto com o mesmo objetivo. Entre elas, estão Jandira Feghali - PCdoB/RJ, Fernanda Melchionna - PSOL/RS, Perpétua Almeida - PCdoB/AC, Alice Portugal - PCdoB/BA, Sâmia Bomfim - PSOL/SP, Luiza Erundina - PSOL/SP, Lídice da Mata - PSB/BA, Natália Bonavides - PT/RN, Áurea Carolina - PSOL/MG, Erika Kokay - PT/DF e Maria do Rosário - PT/RS .
O projeto aguarda que o presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), inclua o tema em pauta. Em entrevista coletiva, Maia afirmou que considera inconstitucional a portaria do governo que altera os procedimentos para o aborto legal em caso de estupro e recomendou que o governo recue da decisão.
CAMPANHA PARA REFORMA DO CENTRO DE APOIO ÀS MULHERES DE PERNAMBUCO
O Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), localizado na zona norte do Recife, está realizando uma campanha de arrecadação de materiais e valores para para a revitalização das dependências da unidade de saúde. “Nesse ano a gente está com dificuldades financeiras, porque houve a Covid e os epi que a gente teve que aumentar em 500% a compra a preços muito altos. Aí estava planejada a pintura da fachada do CISAM e não vai ter dinheiro”, afirmou Olímpio, que também é gestor executivo do hospital. Com isso, o Centro de Apoio à UPE abriu uma conta bancária para que sejam realizadas as doações.
O centro atende desde 1996 as pessoas com útero vítimas de estupro ou em gestação de risco para interrupção da gravidez e hoje é referência no Nordeste. Além disso, a unidade é o hospital-escola da Universidade de Pernambuco (UPE) e realiza diversos outros serviços de atendimento às mulheres desde partos à laqueadura, entre outros procedimentos. As doações para o Cisam podem ser feitas através de doações de materiais à unidade, bem como transferência ou depósito bancário através dos seguintes dados:
IAUPE CISAM
Banco do Brasil
Ag: 3234-4
C/C: 11048-5
CNPJ: 03.507.661/0001-04
Edição: Monyse Ravena