Pernambuco

CULTURA

Literatura: Conheça seis escritores e escritoras negras de Pernambuco

Através de contos, prosas e rimas, o tema da negritude é levantado junto com outras questões

Brasil de Fato | Recife (PE) |
A procura por livros que pautam a questão do racismo no Brasil tiveram um salto, principalmente por causa dos últimos acontecimentos em torno na questão no país - Divulgação

No último período a busca por literatura e pesquisas produzidas por pessoas negras têm aumentado significativamente. Nos últimos meses, a procura por livros que pautam a questão do racismo no Brasil tiveram um salto, a exemplo das obras de Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo e Sueli Carneiro, que estão como recordistas de vendas nas principais livrarias e sites do ramo.

Isso deve-se, sobretudo, aos casos de racismo que aconteceram nos Estados Unidos com a morte de George Floyd e que despertou, aqui o Brasil, uma onda do debate racial. Um tema que não é necessariamente novo, mas que tem ganhado centralidade. Nesse sentido, o Brasil de Fato Pernambuco elencou algumas escritoras e escritores negros do estado que têm produzido versos, prosas e rimas sobre questões diversas que acometem a vida das pessoas negras.

Este é um convite para conhecer algumas dessas escritas ou “escrevivências”, como disse Conceição Evaristo, que estão em ebulição em vários cantos de Pernambuco, do Brasil e do mundo. Confira:


Odailta Alves vem de em uma comunidade muito pobre, na favela de Santo Amaro, no Recife / Nathália Tenório

Odailta Alves

“Que minha cor
Não seja motivo de xingamento
E emudeçam os tons pejorativos
Que me causam sofrimento

Que meu passado
Não me plante na escravidão
E nunca esqueçam
Que fui escravizada
Mas escrava: NÃO.”

Odailta Alves nasceu em 14 de julho de 1979 no bairro de Santo Amaro e até os 23 anos de idade, morou em uma comunidade muito pobre, em barraco, na favela de Santo Amaro, nos arredores do Campo do Onze, em Recife.

Tornou-se Mestra em Linguística pela Universidade de Pernambuco (UFPE), na qual pesquisou a influência africana na Língua Portuguesa, tendo como objeto a obra de Ascenso Ferreira. Foi professora de português das redes municipal e estadual e atualmente trabalha com formação voltada para as questões étnico-raciais.

Em suas chamadas “letras pretas”, Odailta assume um compromisso em denunciar o racismo e as violências sofridas pelas mulheres negras - trans, cis, lésbicas, gays, bissexuais, com deficiência, idosos, jovens -, ao passo em que anuncia a resistência e a persistência desses corpos.

Publica seus livros de forma artesanal e independente, e dessa forma, já vendeu 2.500 exemplares do livro "Clamor Negro". Também, da mesma forma, em 2019, publicou o "Letras pretas". Seu primeiro livro publicado por editora foi o "Escrevivências", pela Castanha Mecânica.


Joy é poetisa, escritora, educadora social, ativista, lésbica e mulher de terreiro / Divulgação

Joy Thamires

“Eu não sou poeta

Por que recito lendo,

Gaguejo, erro minha poesia?

Eu não sou poeta

Por que não interpreto

Não recito com raiva

Não aponto o dedo na cara?”

Joy Thamires  é uma jovem mulher negra de 26 anos, que vive no Ibura, bairro periférico na zona sul do Recife. Joy é poetisa, escritora, educadora social, ativista, lésbica e mulher de terreiro.

Tem dois livros publicados de maneira independente, o "Fiz da minha senzala poesia e da minha poesia meu jardim" e o segundo e mais recente livro é o "Terra negra". Suas poesias abordam as vivências das mulheres negras que vivem nas periferias urbanas, seus sonhos e lutas para reafirmarem suas existências diante do racismo e do machismo.

Além dos livros, Joy Thamires também criou uma marca chamada Dedos Negros (@dedos_negros) para divulgar seus livros mas também outros produtos criados por ela como camisas, ímãs, e quadros.


Bell ganhou projeção nacional ao vencer a primeira edição da batalha de poesia e rima Slam das Minas / Brenda Alcântara

Bell Puã

“A carne mais barata é a minha. Aqui é luta a cada verso. A carne mais barata é a minha. E tu quer falar de racismo reverso? Aterriza na realidade-dor”

Bell Puã é uma jovem poetisa e escritora de 27 anos, graduada e Mestra em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ganhou projeção nacional ao vencer a primeira edição da batalha de poesia e rima chamada Slam das Minas Pernambuco em 2017 e, no mesmo ano, foi a vencedora do Slam das Minas BR. Com a vitória, tornou-se a representante do Brasil na Copa do Mundo de Slam de 2018, em Paris.

Seu primeiro livro chamado “É que dei um perdido na razão” foi lançado em 2018 pela Editoria Castanha Mecânica; em 2019 participa antologia poética “ Querem nos calar – poemas para serem lidos em voz alta” (Ed.Planeta) que reúne poesias de 15 mulheres slammers de todas as regiões do Brasil.
 


Autor de 17 livros, Miró se diz um misto de cronista, alegrista e poeta e possui uma relação íntima com as ruas do Recife / Fundarpe

Miró da Muribeca

“A vida é uma dádiva

A vida é uma dúvida

A vida é uma dívida

cada um que pague do seu jeito

só que Deus não aceita cartão de crédito.”

Miró da Muribeca é um poeta pernambucano que viveu boa parte da vida no bairro da Muribeca, em Jaboatão dos Guararapes, mas ficou conhecido por perambular pelas ruas do Recife com a poesia de seus livros embaixo dos braços.

Atualmente, ele que vivia no Hotel Central, no bairro da Boa Vista está internado com problemas de saúde. Para ajudar na saúde de Miró amigos e artistas estão puxando a campanha #VivaMiró e lançaram uma nova edição do livro “aDeus” com capa personalizada para arrecadar fundos para o tratamento do poeta.

Autor de 17 livros, Miró se diz um misto de cronista, alegrista e poeta e possui uma relação íntima com as ruas do Recife.


Além de escritor, atualmente, Fred é dono da editora Castanha Mecânica / Jan Ribeiro

Fred Caju

“acorde os cavalos

do peito sele sua

cavalaria por den

tro há medo por

fora ventania ven

ha ninguém está

pronto então ven

ha de todo jeito”

Edinaldo Francisco do Carmo Júnior, mais conhecido como Fred Caju, nasceu em 1988, no Recife. O nome usado na autoria dos livros é um anagrama com as duas primeiras letras de cada nome. Historiador por formação, a vontade de ser poeta veio a partir de modificações em poemas de outros poetas como João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade.

Antes de trabalhar com a produção artesanal, Fred publicava e-books, numa época em que esse formato digital era pouco popularizado.  A partir do contato com a editora Lara Cartonera, na cidade de Belo Jardim, o pernambucano teve seu primeiro livro analógico publicado. Atualmente, dono da editora Castanha Mecânica (@castanhamecanica), Fred tem compartilhado com outros autores, autoras e leitores o gostoso desafio de pensar no livro desde a ideia até a venda. 


Lepê Correia é presença constante na série “Cadernos Negros” / TV PE

Lepê Correia

“Sou a resposta, a controvérsia, a dedução

A porta aberta onde entram discussões

Sou a serpente venenosa: bote pronto

Eu sou a luta, sou a fala, o bate-pronto

Eu sou o chute na canela do safado

Eu sou um negro pelas ruas do país.”

Nascido no Recife em 1952, Severino Lepê Correia, mais conhecido por Lepê Correia, é psicólogo, professor, escritor e radialista. Mestre em Literatura e Interculturalidade pela UEPB e Especialista em História pela UFPE, cumpriu importante papel na militância junto ao Movimento Negro na década de 1980.

Em 1993, Lepê Correia publica seu primeiro livro, “Caxinguelê”. A obra é um reflexo do comprometimento do autor com a cultura e história do povo negro. Nessa linha de resgate da ancestralidade, lança em 2006 o livro “Canoeiros e Curandeiros: resistência negra em Pernambuco Sec. XIX”, obra fruto de extensa pesquisa, em que retrata a história política e econômica de parte da população negra do Recife do século XIX.

Lepê Correia é presença constante na série “Cadernos Negros”, tendo participado de mais de dez edições da série, colaborando com poemas e contos.

Edição: Vanessa Gonzaga