As tensões dentro do próprio governo entre outros setores, a exemplo da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal agitam o cenário político brasileiro nesse momento de pandemia, agravamento das condições de vida do povo e de ofensiva contra comunidades tradicionais e leis ambientais. Como essas questões ajudam a entender a relação do Governo Bolsonaro?
Quem aponta caminhos de análise são Herick Argôlo, militante da Consulta Popular e Bernadete Monteiro, da coordenação nacional da Marcha Mundial das Mulheres em mais uma edição do programa Aqui pra Nós, que acontece todas as terças-feiras, no canal do YouTube do Brasil de Fato Pernambuco. Confira os principais pontos da conversa:
Neofascismo
Herick explica porque o governo Bolsonaro é classificado como neofascista, fazendo uma referência aos regimes italiano e alemão no século XX “O neofascismo é um movimento que tem base na classe média e na burguesia, que é reacionário e que tem como objetivo destruir e aniquilar as organizações de esquerda. O fascismo tradicional tinha como base a pequena burguesia, mas o neofascismo tem como base principal a classe média”.
Apesar de ser a principal base de sustentação do governo, ele também coloca que a classe média pode ser disputada “É preciso estar atento. A gente não pode pensar na classe média por essência como uma classe reacionária. Ela pode ser conquistada pela burguesia para lutar contra o trabalhador ou vice-versa, mas pra isso ela precisa ser disputada”
Já em relação a configuração brasileira, ele explica “É um governo de aliança do movimento neofascista, cujo principal representante é o Bolsonaro, com o grande capital internacional. A burguesia brasileira está integrada aqui, porque está ligada a esse capital vindo de fora. Essa aliança se concretizou nas eleições em 2018”. Herick ressalta que apesar da unidade, esses dois setores estão em luta por terem apenas como afinidade a oposição à esquerda e a movimentos populares, mas que acumulam atritos entre outras pautas.
Popularidade e aliados
Para Bernadete Monteiro, o Auxílio Emergencial foi um fator decisivo na disputa da popularidade do governo, especialmente porque ele passa a ser a maior parte da renda de milhões de famílias em todo o país, de acordo com uma pesquisa feita com o Caged, que aponta que hoje no país há mais pessoas que estão recebendo o benefício do que empregadas.
“O que a gente tem percebido é que aquilo que é um reivindicação nossa, que foi uma conquista nossa, da esquerda e dos movimentos tem sido usado pelo Bolsonaro para ser um fator que leva essa disputa dos mais pobres, que é o Auxílio Emergencial. Essa é uma pauta nossa, para que as pessoas em vulnerabilidade consigam sobreviver. A gente sabe que Bolsonaro queria dar R$ 300,00 e bancada de esquerda na Câmara aumentou o valor para R$ 600,00 mas o que chega para as pessoas e que essa foi uma medida do Governo Federal” relembra.
Lições da história
“Uma das características do fascismo e que ele é capaz de fazer concessões para as classes populares. É possível que ele conceda ganhos para ter capacidade de governar”. De acordo com Herick, a história aponta que o fascismo trabalha para atender a agenda da grande burguesia, que é a grande financiadora de regimes autoritários.
Sobre o apoio a pautas populares, ele relembra “Um outro elemento é que bolsonaro se posicionou contra a Reforma da Previdência, jogando a reforma para Rodrigo Maia. Ele fez isso porque essa reforma abalaria setores de apoio dele, como os militares, que depois foram excluídos da proposta. Bolsonaro está sempre tentando proteger a sua base social e ampliá-la”, reflete.
“Nosso desafio é evitar que o fascismo chegue e ganhe as forças populares. é por isso que precisamos construir frentes populares enraizadas no povo”. Herick ressalta que as frentes populares são importantes nessa conjuntura porque a oposição ao governo tem atuado de forma pontual e com pouco diálogo com as forças populares.
Pandemia e disputa de narrativas
Bernadete, que também é trabalhadora da saúde, reflete que a disputa de narrativas em torno da pandemia atravessa as diferentes parcelas da população “Não é uma questão simples, porque se para as pessoas mais vulneráveis a gente entende que há uma captura por causa das respostas materiais que o governo aparentemente dá, o que impressiona é outros setores, até trabalhadores da saúde repercutirem essa mesma noção de negar a ciência, a pesquisa”.
Ela também afirma que a desinformação é uma política do governo “É importante pensar como as Fake News e essa campanha permanente de disputa das pessoas é feita e é vitoriosa pra eles. Não foi algo das eleições, é permanente. O discurso de Bolsonaro na ONU é uma sucessão de mentiras e o que fica é que aquelas informações não podem ser questionadas. Isso está no centro do debate. Como aliar a disputa ideológica com a disputa das condições de vida da população?” questiona.
Legislativo x Executivo
Sobre as fragilidades entre o governo Federal e setores do legislativo, Herick aponta que essa contradição também se verifica em outros momentos “Isso também se observa no fascismo alemão e italiano. Esses atores políticos se desprende em momentos de maior crise política ou entram em choque sempre que se abre uma brecha, mas nem sempre isso significa uma oposição consequente ou a saída do governo. Com o negacionismo de Bolsonaro, eles viram uma oportunidade desgastar porque eles têm esse objetivo de voltar ao comando”.
Ele relembra que outros setores também entraram em conflito com presidente, a exemplo do STF, que foi ameaçado pelo presidente, e a mídia comercial, que desde o primeiro momento criticou o discurso e ações do Governo Federal. “Essa oposição é real mas tem limitações. Rodrigo Maia não botou pra frente nenhum dos mais de 30 pedidos de impeachment de Bolsonaro, que inclusive são justificáveis pelos atentados á humanidade e á democracia”.
Desafios da unidade
Ele explica que um caminho possível é explorar pontos fracos que a história aponta na escalada fascista “Bolsonaro tem possibilidade limitada de fazer concessões ao proletariado, porque isso choca com os interesse da burguesia. Um caminho interessante é aliar a solidariedade que estamos fazendo a setores mais vulneráveis a solidariedade de classe, a exemplo da greve dos correios, a pauta dos trabalhadores da saúde, porque isso acelera as tensões neste ponto fraco”.
Para Bernadete, “o principal desafio é justamente produzir lutas e ações que promovam esse desgaste e nos levem à derrota do governo. Nós temos ações unitárias em defesa da campanha do Fora Bolsonaro que agrega setores de esquerda e progressistas. É preciso acumular força para superar esse momento que estamos vivendo” aponta.
Ela reafirma a necessidade unidade política no discurso e na prática “A gente está diante de um momento em que sofremos uma profunda derrota e que promover a reorganização da esquerda não tem sido uma tarefa simples. Pensar esse processo de unidade com organizações fragilizadas, que tem dificuldades e fragilidades internas é um desafio gigante, mas precisamos apostar nisso, construindo unidade além do discurso, mas na prática”.
Edição: Monyse Ravena