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ABORTO

“Não podemos deixar de mostrar a importância da legalização do aborto"

Integrante da Frente Nacional pela Legalização do Aborto fala sobre retrocesso no debate e leis no Brasil

Brasil de Fato | Recife (PE) |
A maioria dos países da América Latina têm leis restritivas, como Chile, Brasil, Paraguai e Argentina - RONALDO SCHEMIDT / AFP

Os últimos acontecimentos e tentativas de alterar direitos reprodutivos tem feito com que o debate sobre a descriminalização do aborto volte a entrar com ainda mais força no movimento feminista. Nesta semana, o 28 de setembro, dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto reacende o alerta para as manobras do governo federal na tentativa de tornar ainda mais burocrático o acesso ao aborto legal no Brasil. 


Para entender a importância da data e como tem sido a discussão em torno da descriminalização do aborto no Brasil, Paula Viana, que é enfermeira obstétrica, integrante da coordenação do Grupo Curumim e Integrante da Frente Nacional pela Legalização do Aborto participou da última edição do programa Aqui Pra Nós. Confira as principais partes da conversa: 

Alerta Feminista


Nas últimas semanas, a Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto em conjunto com as frentes estaduais e dezenas de coletivos e movimentos feministas lançou o Alerta Feminista que tem a intenção de denunciar a ofensiva conservadora da ultradireita fundamentalista através de ações virtuais e nas ruas. 


O direito ao aborto e ameaça de retrocessos na pauta por uma ação política está na pauta do alerta “Não podemos deixar de mostrar a importância da legalização do aborto para a sociedade, para a democracia no Brasil, para a defesa do Estado laico. O alerta é uma ferramenta para levar a discussão para um contexto mais amplo, e que a criminalização tem impactos desiguais na sociedade. Neste ano tem uma questão também das eleições, de observar o posicionamento dos candidatos em relação a isso e também aos direitos humanos no geral” aponta Paula.

28 de setembro


Paula relembra o histórico de criação da data a partir de uma articulação internacional entre movimentos feministas e contextualiza o momento “Foi na década de 1990, no período de construção do Sistema Único de Saúde (SUS), das grandes conferências, nacionais e também internacionais, que foram importantes para definir debates e conceitos que até hoje são importantes em relação a saúde e direitos reprodutivos. A luta parar tirar o aborto da clandestinidade tinha que partir das mulheres e em relação com a sociedade, trazer esse debate, que é um tema cheio de estigmas”, relembra. 

Direitos sexuais e reprodutivos
A enfermeira também relembra que grande parte dos avanços na legislação em torno de direitos sexuais e reprodutivos “Tivemos avanços importantes, que estão consolidados, mesmo que não estejam em todos os lugares. Tivemos muita mudança na condução das políticas para as mulheres. Fizemos uma grande articulação para que a atenção integral a saúde da mulher estivesse inserida na discussão dentro do SUS”.


Ela também aponta uma mudança na visão em torno de quais políticas eram implementadas e priorizadas “A gente teve a Política Nacional De Atenção Integral à Saúde da Mulher, inaugurada em 2005.Grande parte dos recursos dessas políticas vinha apenas para a maternidade, pensando a mulher como reprodutora e não considerando outras dimensões da saúde e da vida das mulheres”.


Paula também a analisa a questão do aborto na América Latina “Nunca tivemos a plenitude da implementação desses programas, mas conquistamos muitas coisas, como serviço de aborto legal, que chegou com um atraso de 40 anos. O aborto é previsto apenas no Código Penal, como crime, isso dificulta muito. A maioria dos países têm leis restritivas, como Chile, Brasil, Paraguai, Argentina”. 


A proibição e criminalização do movimento impacta a vida das mulheres de forma diferente, de acordo com a profissional de saúde “poucos países têm uma legislação mais avançada, como Cuba, Uruguai, Guiana Francesa e Inglesa e outros países proíbem completamente  o aborto, e neles agente verifica que quanto mais restritiva a legislação sobre o aborto, maior a taxa de mortalidade materna, que inclusive é desigual. Quem morre em decorrência do aborto no Brasil são as mulheres negras, da zona rural, da periferia, que tem dificuldade para chegar nos serviços”.

Retrocesso
A portaria Nº 2.561, proposta pelo Ministério da Saúde altera regras e procedimentos para a realização do aborto legal no Brasil, a exemplo da necessidade de os médicos avisarem a polícia e de realizar uma ultrassonografia antes do procedimento, para que a gestante veja o feto e desista do procedimento. Em comparação com a portaria proposta anteriormente, a Portaria Nº 2822, um artigo foi excluído, mas os médicos continuam tendo que informar à polícia sobre as vítimas do estupro.


Para Paula, a movimentação tem relação direta com o caráter fundamentalista do governo “Nós da Frente já víamos esse cenário apontado, porque sabemos que há uma força fundamentalista, que se mostra de forma cruel na modificação dessas portarias de forma equivocada, porque são inconstitucionais, mas era esperado porque eles estão no poder, aliados com muitas corporações e muito dinheiro envolvido nisso” aponta.


Ela também ressalta que a mudança na legislação terá um impacto negativo para as mulheres que já tem problemas no acesso ao serviço “A Portaria 2822 trazia a obrigatoriedade do médico denunciar o estupro e chamar a policia, transformando o ato de cuidado e acolhimento como um caso de polícia. Se as mulheres já têm medo de chegar no serviço de saúde com medo de serem discriminadas, mal atendidas… Há uma perspectiva de revitimizar a mulher, de oprimir e não garantir o seu direito à decisão”.


“A gente vê as alianças feitas para manter esse tipo de proposta fascista e genocida. A gente vê nos números, nas situações de violência, porque agora há uma permissividade na expressão do ódio, que vergonha aqueles deputados chutando a porta do Cisam para interceder em uma decisão judicial que não era necessário. Vale salientar que era uma menina negra e pobre, porque se fosse uma menina branca eles não fariam isso. Eles acham que podem fazer o que querem com corpos da mulheres negras e pobres” reflete a enfermeira obstétrica . 

Educação Sexual 


Paula aponta que uma das políticas que precisa de mais atenção nesse momento são as voltadas à educação sexual “A gente é a favor da educação sexual nas escolas, e que precisa ser feita com base no diálogo. A gente precisa escutar o que as meninas, o que as adolescentes falam. Um dos grandes problemas na política de planejamento reprodutivo é a questão da educação em saúde, da interação entre profissional e pacientes. Uma grande sacada do movimento feminista é partir desse princípio do diálogo”.


Ela também reforça a necessidade da ampliação de medidas como o planejamento reprodutivo e o acesso a contraceptivos “Ainda no surto de zika no Brasil nós vimos a quantidade de desinformação, de notícias falsas. Nesse sentido a gente lançou a Vera, um canal de atendimento e tira-dúvidas sobre esse tema e outros. Agora na pandemia o que a gente tem visto nessa plataforma é um procura maior de questões sobre violência sexual, mas também dúvidas relacionadas a DIU e outros contraceptivos”.


Uma outra preocupação são os impactos da pandemia na vida das gestantes “A gente tem visto o crescimento da morte materna em decorrência da covid-19. A postura de qualquer governo seria de dizer que nós ainda não sabemos a relação entre eles e fomentar as políticas de contracepção, em especial recorrerem a métodos de longo prazo, como o DIU, mas também o uso de camisinha. Das 21 mulheres que morram esse ano, seis foram em decorrência da covid-19. Esses números são altos, a gente precisa abaixar eles”, afirma Paula.

Edição: Monyse Ravena