O governo de Pernambuco anunciou o retorno das atividades escolares para o dia 6 de outubro, tanto para escolas da rede privada quanto para rede pública. Inicialmente, apenas para os alunos do terceiro ano do ensino médio. Em resposta à decisão, trabalhadores da educação no estado decretaram greve na última quarta-feira (30). Segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe), não há condições sanitárias para esse retorno.
O Brasil de Fato Pernambuco entrevistou Paulo Rubem Santiago, professor Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mestre em educação ex-deputado federal e ex-presidente da antiga Associação dos Profissionais do Ensino Oficial de Pernambuco, (Apenope), sobre a questão. Confira os principais trechos:
BdF PE: Como você avalia esse processo de retorno às aulas presenciais em Pernambuco?
É sempre bom lembrarmos que as escolas não estão isoladas, nem dissociadas das suas respectivas comunidades e territórios, seja na área urbana ou rural. Sobretudo nas periferias das cidades, nos morros, nos alagados, as crianças e jovens dessas escolas têm origem em famílias com condições muito específicas de renda e de acessibilidade a serviços públicos fundamentais. Todas essas questões precisam ser levadas em consideração quando se pensa na retomada do calendário escolar.
Imaginar que podemos montar um calendário escolar e passar a receber milhares de alunos, se deslocando de suas casas - muitos deles dependentes de transporte coletivo ou mais de um meio de transporte - é expor as crianças ao risco de contaminação e ao mesmo tempo correr o risco de trazer o vírus para os seus familiares. E sobretudo os servidores das escolas, porque a maioria não tem carro e depende do transporte coletivo. Quando juntamos tudo isso, é evidente que é uma brutal irresponsabilidade do governo de Pernambuco anunciar a autorização repentina da circulação de milhares de jovens, professores e servidores, apostando em uma queda e em um processo lento de decréscimo dos casos de contaminação e óbitos.
BdF: Então como você acha que deveria ser o procedimento para essa retomada?
Em primeiro lugar, se render às evidências científicas. Enquanto os principais sanitaristas, epidemiologistas e infectologistas estão alertando que ainda não é seguro voltar a liberar os grandes fluxos de movimento de pessoas, não é prudente autorizar a retomada das aulas. Sobretudo, porque nas diversas comunidades mais pobres, persiste o racionamento de água, a falta de infraestrutura e a insalubridade. As famílias não têm renda para costumeiramente comprar o álcool 70 e os demais materiais de higiene pessoal.
Sem um protocolo rigoroso e sem a palavra final das autoridades sanitárias que não estão no governo, é uma irresponsabilidade o retorno às aulas. Pode acontecer, como já vem acontecendo em diversos países europeus, como no Amazonas e em outras cidades, um retorno ao pico de contaminação e casos de óbitos. Alguns lugares estão voltando inclusive a praticar uma quarentena rigorosa e o lockdown. É irresponsabilidade pensar que só Pernambuco pode estar livre de um retorno de contaminação.
BdF: Você acredita que é possível pensarmos em um protocolo nacional de retomada?
Não. Não acredito porque as realidades são distintas. Em Recife, temos uma boa parte da população em zonas precárias, onde o que prevalece é o racionamento rigoroso de água, insalubridade e precariedade dos serviços de saneamento. Já foram encontradas amostras do coronavírus em redes coletoras de esgotos de várias cidades grandes do país. É um risco profundamente irresponsável querer ter um protocolo único, porque as cidades não são iguais.
BdF: Pensando nessa educação à distância, qual seria o impacto de mais tempo dessa modalidade de educação?
Nós vamos ter que desenvolver uma série de iniciativas cautelosas. Da mesma forma que não há igualdade do ponto de vista da salubridade das comunidades, há famílias e casas sem as mínimas condições de se fazer um processo de educação à distância rigoroso, amplo e de qualidade.
Uma coisa é uma família de classe média com dois ou três filhos, cada qual num quarto, com sinal de internet de boa qualidade, com seu notebook e com headphone. Outra coisa é uma comunidade periférica, pobre, como são vários bairros do Recife, em que se encontra residências que não possuem nem um sinal de internet. Há uma disparidade muito grande, que é reflexo da brutal desigualdade imposta pelo sistema capitalista no Brasil.
A medida mais acertada é desenvolver um programa de cobertura universal, mas sabendo-se que não é possível implantar um programa assim sem subsídio do Governo do Estado. Sem isso, é ter um padrão de qualidade de acesso para as classes médias e outra para outra parcela da população.
BdF: E você acredita que essa volta está condicionada à vacina?
Seria a medida mais cautelosa e que poderia garantir a segurança sanitária para a comunidade escolar, dadas as expectativas de uma ampla cobertura das vacinas que estão em teste. Se há a expectativa de que antes do retorno das aulas no calendário oficial de março do ano que vem ou de fevereiro de ter um amplo programa de vacinação em massa, é mais prudente e mais adaptado a realidade da pandemia aguardar esse processo e só retornar o calendário escolar após um ano do processo de imunização, é o que se recomenda.
Mesmo os jovens que estão estudando à distância, as escolas têm relatado uma série de problemas: como a dificuldade de concentração, a dispersão no entorno familiar, o uso concomitante do celular ao lado do computador e a ausência dos jovens durante a aula. Mesmo esses não estão tendo uma educação com qualidade adequada, é uma grande improvisação. É um fazer de conta que cumpriu o calendário escolar nessas condições. Por isso, é preferível que se veja, lamentavelmente, a perda do semestre e se retome o processo de educação formal, do que colocar em risco mais de 1,5 milhão de pessoas.
Edição: Vanessa Gonzaga