Se corporifica a tendência atual de criminalização de qualquer forma de greve
No último dia 21 de setembro, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgou o processo de dissídio coletivo entre entidades sindicais representativas dos trabalhadores dos Correios e essa empresa pública federal, após 34 dias de greve. À primeira vista, pareceu ser uma decisão em consonância com a previsão constitucional do direito de greve, ao não considerar abusivo o movimento grevista, sob o fundamento de que os trabalhadores teriam sido provocados pela empresa a fazer greve diante do não cumprimento e do rompimento por ela do acordo coletivo de trabalho então existente e consequente retirada de direitos nele previsto. Além disso, ficou patente a conduta da empresa em negar-se a negociar com os sindicatos dos trabalhadores.
Porém, para além das aparências, o julgamento do TST foi um marco na criminalização do exercício do direito de greve e do esvaziamento de seu sentido jurídico. Como ficou constado na própria decisão, foi um julgamento de importância histórica. Isso porque havia 70 cláusulas do acordo coletivo em discussão (clausulas históricas que constavam nos acordos dos últimos 10 anos), com uma postura intransigente dos Correios em retira-las, e o Tribunal determinou que apenas 20 dessas cláusulas sociais deveriam ser mantidas. Além disso, foi mantida a proposta patronal de reajuste dos salários de apenas 2,6% (quando a inflação oficial de 2019 fechou em 4,31%). Ou seja, os trabalhadores dos Correios, de um dia para o outro, perderam 50 direitos, garantias e benefícios trabalhistas históricos, que não causariam nenhuma despesa para a empresa. Tem-se que ter em mente que, por traz disso, há o intento governamental de privatizar os Correios.
Nesse sentido, inclusive, deve-se destacar que o TST na decisão em questão determinou o retorno imediato dos trabalhadores dos Correios ao trabalho, sob pena de pagamento de multa diária de 100 mil reais para as entidades sindicais, em caso de continuidade do movimento paredista, assim como a autorização de demissão por justa causa dos trabalhadores que prosseguissem em greve.
Ameaçar o movimento sindical e os trabalhadores com multas altíssimas e com a perda do emprego, algo precioso para sobrevivência de todo trabalhador, é uma verdadeira afronta ao direito de greve como ele consta no texto da Constituição Federal. Só corporifica a tendência atual de criminalização de qualquer forma de greve que fuja dos roteiros que os tribunais ditam e que exerça a sua função política, a sua razão de ser.
Tal episódio demonstra o desmonte pelo judiciário do direito de greve ao longo dos últimos anos. É um direito conquistado com muito sacrifício, sangue e vidas dos trabalhadores, duramente reprimidos por décadas, mas que foi fundamental para derrota da Ditadura e que apenas em 1988 passou a constar na Constituição como um direito fundamental de todo trabalhador e trabalhadora. Segunda tal garantia constitucional, compete a eles decidirem sobre o momento, a forma e os interesses que irão defender por meio da greve.
No entanto, apesar de todos os ataques contra o direito de greve por parte dos tribunais brasileiros, que já perdura por mais de 30 anos pelo menos, mas que se intensificou nos últimos cinco anos, chegando no culminar com a decisão do TST em relação a greve dos trabalhadores dos Correios, a greve segue viva e resistindo como expressão da classe. Entender o mecanismo jurídico que vem tentando acabar com a greve como direito social é fundamental para compreensão dos desafios atuais do movimento sindical.
Para além da juridicização e legalização da greve, que hoje toma tons de criminalização, ela é o mais autêntico instrumento de luta do movimento sindical e da classe trabalhadora em movimento, pois é por meio dela que toma corpo o poder político daqueles que apenas detém a força de trabalho: parar e inviabilizar a produção, travar o processo de criação e circulação de mercadorias. Como já muito dito, não há greve se não gera prejuízos e redução dos lucros dos patrões. Esse é o maior poder que os trabalhadores detêm em suas mãos contra o capital e, por isso, ela permanece viva como forma pressão obreira para conquista de direitos
Edição: Monyse Ravena