O estado de Pernambuco foi o primeiro do país a eleger um mandato coletivo, no ano de 2018. A candidatura coletiva das Juntas (PSOL), formada por cinco mulheres, recebeu quase 40 mil votos e foi eleita para deputada estadual. No mesmo ano a “Bancada Ativista” foi eleita em São Paulo. Juridicamente os mandatos coletivos não são diferentes de um mandato individual tradicional: é inscrito junto ao TSE com o nome de uma pessoa, a foto na urna também é dessa pessoa, mas há um compromisso de que as demais integrantes farão parte da equipe de gabinete e terão protagonismo e responsabilidades divididas, mas por ser um único mandato, tem direito a apenas um voto no plenário.
O sucesso da inovação eleitoral e política fez diversos partidos, especialmente os de esquerda, a lançarem candidaturas coletivas à Câmara Municipal do Recife. A advogada Robeyoncé Lima, co-deputada no mandato estadual das Juntas, considera que o mandato coletivo está em alguma medida contribuindo para uma “mudança na sociedade e mudança profunda na política. Estamos vendo as pessoas querendo fazer de um jeito diferente”, diz ela. Mas Robeyoncé pondera que os contextos de 2018 e 2020 são bem diferentes. “É difícil comparar as duas eleições. Fomos eleitas antes de Bolsonaro ser o presidente. Em dois anos já aconteceu muita coisa. Mas estamos vendo uma tendência de multiplicação de candidaturas coletivas. É algo que veio para ficar, não tem como voltar atrás”, avalia a co-deputada.
Além da proposta de atuação diferente de um mandato comum, a candidatura coletiva também pode ser uma alternativa viável econômica e eleitoralmente. Candidatos com poucos recursos sempre são minoria entre os eleitos, mas quando esses candidatos unem seus recursos numa única candidatura, ela fica mais competitiva, além de poderem fazer campanha em localidades diferentes simultaneamente. Candidatos que separados conseguem mil votos cada um, juntos podem somar 4 ou 5 mil e serem eleitos.
No caso das Juntas, todas estavam se candidatando pela primeira vez. “Eu acreditava que seríamos eleitas, mas imaginei que na melhor das hipóteses teríamos 25 mil ou 30 mil votos. Mas passamos dos 39 mil”, lembra a advogada. “Durante a campanha, quando percebemos que furamos a bolha, que nossa campanha repercutia em locais em que nem colocamos os pés, aumentou a nossa expectativa de vitória nas urnas”, diz ela, mas nem todas achavam o mesmo durante a campanha.
E como funciona um mandato coletivo após eleito? Há parlamentares que respeitam e reconhecem todas como deputadas. Mas ainda há muita rejeição ao formato de mandato e deslegitimação, além de travas burocráticas do funcionamento interno da Alepe. Por exemplo, ainda não é permitido que as co-deputadas participem das atividades no plenário, além de outras outras questões formais. “Não temos como agradar todo mundo, mas fomos legitimamente eleitas. A população não votou apenas em Jô Cavalcanti [legalmente a titular do mandato]. Por mais que argumentem que as leis ou o regimento não preveem isso, esta foi uma escolha da população”, completa.
As casas legislativas têm o desafio de se adaptar ao novo formado de mandato. Levantamento feito junto a sete partidos de esquerda aponta que cinco deles (PT, PSOL, PCdoB, PSB e PDT) possuem, juntos, 18 candidaturas coletivas no Recife, em Jaboatão e Olinda. Na capital pernambucana são mais de 10 candidaturas coletivas, espalhadas por PSOL (6), PT (2), PCdoB (2), PDT (1) e mesmo em siglas de direita. Em Jaboatão são ao menos três, no PCdoB (1), PSOL (1) e PDT (1). Em Olinda são pelo menos outras quatro candidaturas do tipo, no PT (2), PSOL (1) e PSB (1). Há ainda candidaturas individuais de lideranças de coletivos e movimentos. Em Vitória de Santo Antão, região metropolitana, o PDT lançou uma candidatura coletiva para a disputa da prefeitura.
A co-deputada das Juntas considera que as candidaturas coletivas suscitam também uma discussão sobre o projeto de sociedade que queremos. “O projeto coletivo é um questionamento a por que as portas se fecham para nós mulheres negras, periféricas, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis. E quando encontramos uma maneira de ocupar esses espaços que nunca foram nossos, ficam arrumando formas de nos deslegitimar, porque eles querem manter o sistema como é”, critica a advogada. Ela destaca ainda que a candidatura coletiva é uma forma de criticar o atual sistema representativo que, segundo ela avalia, “não representa ninguém”. “O poder legislativo deveria ser o espelho da sociedade. Mas eu mesma não me sinto representada por um Congresso Nacional em que 83% das cadeiras são ocupadas por homens”, pontua Robeyoncé.
Ela ressalva ainda que esta não pode ser a única maneira de alterar as estruturas da política institucional. “Precisamos encontrar outras formas de incidir na política, para além das candidaturas. Não podemos esperar que abram as portas para a gente. E temos que aproveitar essa onda para fazer a discussão sobre essa crise política e de representatividade”, conclui.
Edição: Monyse Ravena