A primeira vez que a psicodelia do Boogarins esbarrou nas experimentações da cantora carioca Ava Rocha foi em outubro de 2016, durante o festival No Ar Coquetel Molotov, em Belo Horizonte. Dois anos depois, Ava lançaria seu terceiro disco, Trança (2018), e, dentro dele, a faixa João três filhos, parceria com Dinho Almeida, cantor e compositor da banda goiana. Como se não bastasse, em 2020, a mesma música ganharia novas pinceladas na coletânea Manchaca vol. 1 (uma “compilação de memórias, sonhos, demos e sobras” do Boogarins). Agora, cinco anos desde a primeira reunião, os encontros foram além da gravação da música e assumiram o formato de um show em conjunto, gravado exclusivamente para esta que é a 17ª edição do No Ar Coquetel Molotov, que acontece virtualmente entre os dias 11 e 23 deste mês.
Encontros como os de Ava Rocha e Boogarins, vale ressaltar, não acontecem por acaso: são resultado de uma soma de esforços coletivos e investimentos (por vezes públicos; por vezes privados) que possibilitam a existência dos festivais de música alternativa ao redor do mundo, espaços culturais de partilha e fomentação artística. Mas, em um ano como 2020, marcado pela pandemia da Covid-19, pelo isolamento social e por uma quantidade gigantesca de lives, como continuar a produzir atravessamentos? Essa, sem dúvidas, foi uma questão que Ana Garcia, idealizadora e diretora do festival, fez questão de se atinar.
Em comparação ao Coquetel Molotov.EXE (última edição, em 2020), o festival procurou amadurecer seu formato digital. Além das oficinas, workshops, mentorias e o Call Center, a 17ª traz um mundo 3D (desenvolvido pela banda carioca Rosabege) e a preocupação em apresentar um material audiovisual que, ao contrário dos eventos ambientados na plataforma Zoom, permanecem atemporais. “No Coquetel Molotov.EXE, tentamos realizar uma edição mais imersiva e menos preocupada com a parte técnica. Nesta edição, estamos criando um material que seja mais perene, que dure para sempre. Quero poder assistir à série em 10 anos e entender o momento que passamos. Foi a nossa primeira vez trabalhando com audiovisual e foi uma experiência muito diferente. Estamos muito ansiosas para assistir ao material final”, conta Ana à Continente.
Na série audiovisual, Ava Rocha e Boogarins não são os únicos destaques. Nela também estão nomes conhecidos como os de Alessandra Leão, compositora, cantora e percussionista pernambucana; Amaro Freitas, pianista e compositor de destaque internacional no jazz; Martins, que vem fazendo sucesso com disco homônimo lançado em 2019; Lia de Itamaracá, Patrimônio Vivo de Pernambuco; Jup do Bairro, autora do aclamado EP Corpo sem juízo, Revelação Musical do ano pelo Prêmio Multishow; e outres artistes.
Com direção musical de Benke Ferraz, também integrante do Boogarins, a série, gravada entre São Paulo e Gravatá, interior de Pernambuco, será exibida em dois capítulos no YouTube. Para Ferraz, “se encontrar no meio dessa paisagem bucólica, é um gatilho para ressignificar velhos pensamentos, moldar novas ideias, iluminações e descobertas que também acontecem em um festival de música. Esse tipo de energia que vamos traduzir com essa série. Transportar as pessoas para uma experiência inesquecível, a qual sempre poderão revisitar. Não é somente mais uma live”.
Outro destaque no festival é a presença do trio curitibano Tuyo, formado pelas irmãs Lilian e Layane Soares e Jean Machado. Juntos, os três trazem composições sensíveis, embaladas por uma sonoridade que navega pelo R&B, hip hop, synthpop e música sertaneja – “um megazorde de estilos”, como brinca a banda em entrevista à Continente. Em sua trajetória musical, a tríade já lançou o EP Pra doer (2017) e o disco Pra curar (2018), um verdadeiro fenômeno dentro do cenário de música indie nacional. Agora, com apoio da Natura Musical, eles se preparam para lançar o próximo disco.
O nome da banda, aliás, uma ideia retirada da literatura de Gabriel Garcia Márquez, faz jus ao tipo de experiência uníssona que se tem quando o trio se apresenta. Tuyo é a soma de “Tu” e “Yo” (eu e você) que, em conjunto, torna-se “seu”. “A gente acredita que arte é comunicação com o outro, não consigo mesmo”, explica Lio. “A gente escreve sobre o que é legítimo. Narramos como vivemos, as circunstâncias pelas quais passamos. Uma separação, o que a gente sente em relação aos nossos pais, o que a gente espera dos filhos que a gente ainda não teve, como a gente se relaciona com os amigos que ganhou e perdeu… A vida, né? A vida é o nosso assunto. A gente fala da gente, a partir dos nossos corpos negros, e acaba falando sobre tudo.”
Animados para o lançamento da série audiovisual CQTL MLTV, cada integrante revelou suas expectativas em relação ao festival. Jup do Bairro foi unanimidade, juntamente com o artista Amaro Freitas: “Tô muito curiosa para entender o som do Amaro Freitas. A gente gosta do trabalho dele, daquela echarpe, a coisa mais rica”, revela Lio.
Além do mundo 3D e da série audiovisual, que será disponibilizada a partir de sexta (22), as oficinas têm também gerado muitas expectativas entre o público assíduo do Coquetel. Nesta segunda (11), por exemplo, a cantora MC Tha, ministra a oficina Abrindo os caminhos, para iniciar este ano “com muita saúde, proteção, diversão, música e sorte”. Já na terça (12), a produtora, compositora e DJ britânica Perera Elsewhere, radicada em Berlim, dá uma aula sobre como criar, gravar e processar sons.