Pernambuco

CASO MATEUS E NETO

Juristas e movimentos populares apontam arbitrariedades na prisão de jovens em Olinda

Os irmãos estão detidos sem acesso ao processo que corre em segredo de justiça e foram desencorajados a buscar defesa

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Uma ato organizado pela família dos irmãos aconteceu nesta quarta (20), denunciando as arbitrariedades e pedindo justiça - Igor Travassos

Os irmãos Mateus Francisco dos Santos, 20 anos, e Joseir Elias Macedo Neto, 22 anos, foram presos no último dia 15, acusados pelo roubo de um veículo que aconteceu em abril de 2020. Os dois foram abordados pela Polícia Militar no bairro de Peixinhos, em Olinda (PE), onde moram, e foram encaminhados à delegacia do bairro como suspeitos pelo roubo que aconteceu no dia 5 de abril, também em Peixinhos, três dias antes da abordagem policial. 

É a partir do processo de reunião de provas e testemunhas que a denúncia de arbitrariedades começa. Paula Costa, tia dos rapazes, afirma que ambos dormiram em sua casa no dia em que o crime foi cometido “Eles estavam na minha casa no dia do crime. infelizmente as únicas testemunhas somos nós, porque para dormir na própria casa a gente não precisa ter um estranho pra servir de álibi num caso de crime” afirma. Além de não terem colhido o depoimento da família como testemunhas para o álibi, o crime foi tipificado como roubo com o uso de armas, mas não há nenhum indício de que alguma arma em poder dos irmãos havia sido apreendida.

Até mesmo a possibilidade de direito à defesa e presunção de inocência vem sendo retirado de Mateus e Neto, como explica Jackson Augusto, militante da Articulação Negra Pernambuco, que vem acompanhando o caso “No dia em que a polícia aborda e os levam para uma rua escura ali no bairro, a vítima diz que são eles dois os suspeitos. Mas ao chegar à delegacia a vítima diz que já não sabe se realmente são eles. Quando a família estava indo ao local e encaminhando um advogado a polícia disse que não precisava, que eles já estavam indo embora. Eles assinaram um BO e essa é a grande questão: não foi dado a eles o direito de defesa, porque eles assinaram achando que havia sido um engano e eles seriam liberados”.

 Além da Articulação Negra, o caso vem sendo acompanhado pelo Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajop), a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e mandatos de parlamentares de Olinda. Na última quarta (20), um ato político no bairro de Peixinhos foi convocado pela família e pelas organizações para denunciar as arbitrariedades e a falta de transparência no caso. 

“A importância de ter um defensor é que ele quebra esse sigilo para a pessoa investigada e ela consegue ter acesso à investigação através de um advogado. Os policiais desencorajaram eles de ter acesso a um advogado  para não terem acesso à própria investigação. A polícia fez isso justamente para não ser atrapalhada para dar continuidade a esse inquérito arbitrário”, explica a advogada e professora de direito Juliana Serretti, que também acompanhou o ato da última quarta (20). 

A família e as organizações também apontam que a falta de transparência e os erros da polícia e da justiça em torno do caso estão diretamente ligados ao racismo. Paula afirma que o fato de seus sobrinhos serem negros agravou a situação “Se fossem duas pessoas brancas de bairro nobre eles não teriam sido abordados e esse tratamento de segredo de justiça não teria acontecido, porque isso é para bandidos perigosos, que podem causar danos a sociedade e esse não é o caso dos meus sobrinhos. Eles não têm antecedentes criminais, nem antes da data do roubo e nem antes deles serem presos”, ressalta.

Jackson também afirma que o caso é um sinal para a população negra “todos esses erros aconteceram por conta das relações raciais e como ela funciona. Tratar como prisão preventiva mostra que a Justiça tem medo das pessoas negras, que elas são violentas, mesmo sem histórico. Esses meninos, que hoje estão no Cotel, é um aviso do Estado. O racismo funciona na normalidade. A Polícia, a Delegacia e a Vara de Justiça funcionam nessa normalidade, esse é o problema”, aponta. 

Hoje, Mateus e Neto estão cumprindo prisão preventiva no Centro de Observação e Triagem Professor Everardo Luna (Cotel), em Abreu e Lima. Apenas na última quarta (20) uma advogada pode ter acesso aos jovens e começar a representá-los legalmente, mas o processo ainda corre em segredo de justiça. De acordo com Paula Costa, a família agora luta para que os irmãos possam responder ao processo em liberdade. 

O Brasil de Fato Pernambuco entrou em contato com a Polícia Civil, e a Secretaria de Defesa Social do Estado de Pernambuco (SDS-PE) e o Tribunal de Justiça de Pernambuco. A Polícia Civil confirmou a expedição dos mandados de prisão pelo crime de “roubo qualificado” e que os jovens “foram encaminhados à unidade prisional determinada pela autoridade judiciária”.

Em nota, a SDS informou que “os acusados já estão à disposição da Justiça” e que com a finalização do trabalho da polícia com o inquérito ao MPPE, o processo agora está no Tribunal de Justiça de Pernambuco. O TJPE respondeu afirmando que “ao pesquisarmos no sistema de busca processual do site do TJPE pelos nomes de Mateus Francisco dos Santos e Joseir Elias Macedo Neto não foram localizados processos referentes ao caso”. 

 

Edição: Monyse Ravena