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Mandato coletivo e feminista promete buscar os problemas nas periferias de Garanhuns

Na cidade natal do ex-presidente Lula, Fany Bernal (PT) fala sobre mandato coletivo e elenca políticas prioritárias

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Marília Ferro, Fany Bernal e Fernanda Limão compõem a mandata coletiva do PT em Garanhuns, onde o partido não elegia um vereador havia 16 anos - Fabrício Ori

Na eleição de 2020 o município de Garanhuns, na região Agreste de Pernambuco, deu um pequeno passo à esquerda. O ex-prefeito (2001-2004) Silvino Duarte (PTB), médico e com uma coligação de centro-direita, apoiado pelo prefeito, acabou derrotado pelo deputado estadual Sivaldo Albino (PSB), que formou uma coligação de centro-esquerda com PT, PDT, PCdoB, PSD e Avante, além do seu PSB. Dos 140 mil habitantes de Garanhuns, cerca de 90 mil são eleitores e, destes, 71 mil foram às urnas, com quase 10% votando branco ou nulo e 90,5% escolhendo candidatos. Sivaldo Albino (PSB) venceu a disputa com 22,2 mil votos (34,4%), contra 20,3 mil (31,5%) do candidato da situação.

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Para a Câmara de Vereadores a coligação de apoio do prefeito Sivaldo Albino (PSB) conquistou apenas seis das 17 cadeiras. PCdoB e PDT passaram em branco. O PSB elegeu três e o PT elegeu uma. Do total de eleitos, cinco são mulheres. Uma delas é a candidatura coletiva e feminista “Fany das Manas” (PT), composta pela cantora Marília Ferro, pela professora e produtora cultural Fernanda Limão e pela advogada e professora Fany Bernal. Esta última concedeu entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco.

Brasil de Fato Pernambuco: Em comparação com 2016, no auge do antipetismo, quando o PT de Garanhuns obteve apenas 940 votos na soma de suas quatro candidaturas, até que o resultado de 2020 parece positivo (somou 3.480 votos com 18 candidaturas). O que aconteceu nesses quatro anos que mudou a imagem do PT localmente? Foi um reflexo do cenário nacional ou algum trabalho desenvolvido por vocês em Garanhuns?

Fany Bernal: Na minha opinião três fatores foram determinantes para mudar o partido entre 2016 e 2020. Um fator foi o crescimento da militância anti-bolsonarista na cidade a partir de 2018. Essas mobilizações em Garanhuns a partir de pautas nacionais começaram no período do golpe de 2016, mas passam a somar mais gente a partir de 2018. Muita gente decidiu se filiar ao PT, como eu fiz, e isso deu uma oxigenada no partido.

Em paralelo a isso, na cidade de Garanhuns começam a surgir coletivos. Em 2018 começamos o “Mutirô”, coletivo do qual faço parte. Começamos a puxar mobilizações sobre as reformas pautadas no Congresso, levar a discussão para a rua, mobilizando estudantes e trabalhadores. Isso foi aos poucos quebrando o antipetismo. A soma de todos esses fatores nos fortaleceu para essas eleições, em que o PT elegeu a nossa mandata coletiva e o vice-prefeito [o médico Pedro Veloso]. Isso tudo se somou a organizações que já existiam no município, como o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), a chegada de dirigentes do MST também foi importante, a própria Federação dos Trabalhadores Rurais (FETAPE) e os sindicatos de trabalhadores rurais (SRT). Destaco ainda a criação da Frente Brasil Popular, o Curso de Realidade Brasileira, o cursinho pré-Enem Ciranda Popular. Tudo isso forma o caldo que nos trouxe até aqui.

BdF PE: A candidatura coletiva conta ainda com uma poeta e uma cantora. Vocês já se conheciam? De quem partiu a ideia de lançar uma candidatura coletiva?

Fany: Em meio à eleição de 2018 criamos um grupo no Facebook para organizar o ato do “Ele Não” aqui em Garanhuns. Conseguimos uma mobilização de 5 mil pessoas, de diferentes idades e origens, escolas fecharam para que professores e estudantes fossem para a rua. Foi muito bonito. Mas Bolsonaro foi eleito. Na ressaca começamos a mobilização, puxada principalmente por artistas locais, para criar um grupo. E nasce esse coletivo chamado “Mutirô”.

Entendemos naquele momento que parte da responsabilidade sobre o crescimento do “bolsonarismo” estava na nossa omissão na política local, inclusive. Aqui em Garanhuns o então prefeito [Izaías Régis, PTB] apoiou Bolsonaro. Houve um acirramento local muito forte. O nosso coletivo passou a fazer ações em locais públicos para dialogar com a população sobre Direitos Humanos, cotas raciais e outros temas, sempre de maneira popular. Fizemos cineclube, cursinho pré-Enem que conseguimos aprovar 47 estudantes em universidades. Depois começamos a debater temas da cidade, como passagem de ônibus, participar de conselhos municipais e de debates na Câmara de vereadores. Fomos tratadas mal e saímos com a certeza de que precisávamos também ocupar a Câmara.

No fim de 2019 o coletivo “Mutirô” começa a discutir nomes para uma candidatura a Câmara, chega-se ao nome de Fernanda Limão. Mas ela queria uma candidatura feminina, feminista e coletiva. E em 2020 fechamos a candidatura coletiva. Viemos de militâncias diferentes. A Fernanda vem da cultura, Marília vem do movimento estudantil e eu trabalhava com capoeira, LGBTs e como advogada e militante de Direitos Humanos.

BdF PE: Em que setores da população a candidatura teve mais adesão?

Fany: Nossa “bolha” inicial são essas lutas, essas bandeiras que já carregávamos na militância de cada uma. A cultura, grupos artísticos locais, juventude e LGBTs. Mas pela atuação militante também penetramos noutros espaços, como a agricultura familiar. Os votos que tivemos na zona rural vieram provavelmente da aproximação com a Fetape, o STR, o MMTR e o MST.


Fany Bernal, 36 anos, atribui o renascimento do PT em Garanhuns a mudanças internas que possibilitaram o partido se abrir às mudanças que aconteceram externamente - mas sempre perto dos movimentos populares. / Giovanna Revoredo

BdF PE: Nessa disputa eleitoral o PT apoiou o candidato vitorioso Sivaldo Albino, do PSB, inclusive tendo o vice na chapa. Como foi a relação que a candidatura de vocês construiu com a candidatura de Albino?

Fany: A aproximação se deu pela coligação. Na pré-campanha o PT tinha como candidato o Dr. Pedro Veloso, mas na convenção foi decidido que coligaríamos. Para algumas pessoas foi um choque, mas para outras não. Entendemos que se essa caminhada não tivesse ocorrido de maneira conjunta, entre PT e PSB, nem Sivaldo Albino teria sido eleito, já que a diferença entre ele o segundo colocado foi de pouco mais de mil votos; e nem nós teríamos sido eleitas, já que a estrutura que a coligação nos ofertou foi fundamental para sairmos vitoriosas. Mas de fato o voto casado encontrou resistência em alguns eleitores, mas não muitos. E considero isso natural.

BdF PE: No Recife o segundo turno entre PT e PSB ganhou tons bem agressivos. Como vocês têm visto a relação entre os partidos a nível estadual? Como está essa relação no município?

Fany: Logo após a eleição entendemos a necessidade de fortalecer a campanha de Marília Arraes (PT) no Recife. Conseguimos ver tudo o que foi feito naquela disputa, como foi sujo e incivilizado. A nível estadual acho que não tem como continuar com o PT subserviente ao PSB. Entendemos que essa aliança deu frutos, mas nem casamentos duram para sempre. Houve muitos ataques não só a Marília, mas ao PT. E não houve interferência do PSB visando mudar o modo da campanha de João Campos (PSB).

Isso foi um desrespeito muito grande com todos nós, que inclusive elegemos Paulo Câmara (PSB) em 2018 atendendo ao chamado do partido. A nível municipal em Garanhuns temos relação muito tranquila. A coligação é recente, ainda não tem o desgaste das relações estaduais. O momento é do PT ter protagonismo dentro do estado. E se queremos crescer mais lá na frente, temos que romper agora. O processo de afastamento foi acelerado pela atuação do PSB na campanha do Recife.

BdF PE: Para a presidência da Câmara o mandato coletivo apoiou a eleição do advogado Senivaldo Albino (PSB), vereador e irmão do prefeito. Isso não compromete a independência entre os dois poderes?

Fany: Garanhuns é uma cidade típica do interior, com oligarquias familiares muito presentes em todos os poderes. Além do irmão do prefeito, na Câmara de vereadores também temos o primo do prefeito e até a oposição colocou como candidato a presidente da Câmara o sobrinho do prefeito. A disputa da presidência da Câmara foi entre tio e sobrinho. E quem venceu foi o tio, Senivaldo “Jhonny” Albino, irmão do prefeito. Essa é a política partidária em Garanhuns e noutras cidades. Filhos, netos, sobrinhos de outros eleitos. Nesse cenário nossa mandata se destaca também por não termos heranças familiares na política.

Para presidente da Câmara não tínhamos como levar em consideração laços sanguíneos. Tínhamos apenas essas duas candidaturas e como temos mais aproximação com Jhonny (PSB), votamos nele. Se isso compromete a independência da Câmara, acredito que não, tendo em vista que todos os vereadores, inclusive nós, temos a obrigação de fiscalizar o Executivo.

BdF PE: Quais são as pautas e quais as populações prioritárias a serem atendida pelo mandato? E quais os principais problemas de Garanhuns que merecem atenção do poder público?

Fany: Nós estruturamos nossa mandata em 13 pontos de atuação, que vão desde a agricultura familiar, passando pela defesa do SUS e a representatividade. Esses pontos são norteados por três princípios: a coletividade, a representatividade e a defesa dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras de Garanhuns.

A bandeira da diversidade nunca havia sido levantada por qualquer parlamentar eleito no nosso município. Temos essa responsabilidade com a população LGBT. A cidade abriga um dos maiores festivais culturais do Brasil, o Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), e durante 15 dias a cidade respira cultura, mas no resto do ano é difícil para os artistas sobreviverem aqui. E também temos mais de 10% da população na zona rural e sempre foram secundarizados por serem um eleitorado menor. Vamos trabalhar por toda Garanhuns, de olho nos 13 pontos, abrangendo setores diversos, mas esses três grupos merecem atenção prioritária nossa: o povo do campo, as pessoas LGBTs e nossos artistas.

O principal problema que temos hoje é a pandemia. E além disso, a cidade está atolada em vícios de gestões anteriores. Foram 24 anos nas mãos do mesmo grupo político. A folha do município está no limite legal, o município está bastante endividado e com muitas demandas por políticas públicas, já que as gestões anteriores priorizaram calçar ruas.

Existem muitos problemas. Emergencialmente precisamos de um Sistema Municipal da Cultura, é uma visão da nossa mandata. Precisamos ampliar a participação popular nos conselhos. E na saúde somos uma rara cidade-polo que não tem hospital municipal, não temos CRAS para crianças e adolescentes. As demandas são muitas, problemas enormes, mas a vontade de trabalhar e resolver é muito maior.

BdF PE: Durante a campanha vocês prometeram um mandato com ampla participação popular. Quais os mecanismos de participação ou escuta vocês pretendem colocar em prática?

Fany: Atualmente temos muito contato pelo Whatsapp, Instagram, Facebook e agora no Twitter. Outra forma é criar um gabinete itinerante, que vá de bairro em bairro, na área urbana e zona rural, pelo menos metade do mês na rua, para escutar pessoas que queiram conversar conosco, trazer os problemas, independente de terem internet ou não, de nos conhecerem ou não, de terem votado em nós ou não. E a terceira forma de participação é a criação de um conselho político consultivo da nossa mandata. Ele terá a participação de presidentes de associações de bairros, de organizações, movimentos populares da cidade. A ideia é que ele norteie nossas ações. Estamos estruturando essas três ferramentas e já começando a colocar em prática.

Edição: Vanessa Gonzaga