No fim de janeiro a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) anunciou um novo calendário de abastecimento de água para os municípios e bairros da Região Metropolitana do Recife. O abastecimento foi praticamente reduzido pela metade em grande parte das localidades. O intervalo sem água dobrou. A Compesa afirma que a mudança foi necessária por as chuvas previstas para o fim de 2020 e início de 2021 terem sido “bem abaixo do esperado”.
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E a escassez vai continuar. Segundo a Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), a previsão é que a RMR receba uma quantidade de chuvas abaixo da média histórica até abril. A Compesa afirma que a adequação é necessária para não secar os reservatórios até a chegada das chuvas esperadas para o fim do outono (maio e junho) e pede “uso racional da água” pela população. O calendário de abastecimento para o seu bairro está disponível no site da Compesa.
O bairro de Jardim Brasil, em Olinda, é um dos tantos que está sofrendo com a falta de água. Segundo a Compesa, o calendário “normal” para a localidade é de intervalos de quatro dias sem água a cada um dia com abastecimento. Na nova programação o tempo sem água praticamente dobrou.
A aposentada Hosana Freitas, de 66 anos, reclama que a água chega por pouco tempo e sem força suficiente para abastecer os reservatórios. “Está horrível. Dizem que a água chega a cada sete dias, mas quando chega o dia de ter água, ela chega por meia hora ou uma hora, fraquíssima, de modo que não sobe para as caixas d’água e a gente não consegue aproveitar a água”, se queixa. Freitas lembra que no calendário anterior os problemas eram os mesmos.
A situação acaba tornando o acesso a água desigual na própria comunidade. “Quem tem bomba consegue encher tudo, mas quem não tem, fica sem água”, completa. “Mas na parte baixa de Jardim Brasil, lá nos apartamentos, chega água. Mas aqui na parte de cima é difícil chegar água”, diz ela. “E às vezes a água vem tão suja que eu tenho nojo de usar para cozinhar”, diz a idosa, que acaba tendo que comprar garrafões de água mineral para preparar sua comida.
Hosana conta que a falta de água “atrapalha tudo” e leva ela a correr riscos em meio à pandemia. “Fico sem poder lavar roupa, tenho que pegar dois ônibus para ir na Imbiribeira lavar roupa na casa da minha filha. Até um banho mais bem tomado eu tenho que ir para a casa da minha filha. Além do desgaste desse deslocamento, tem o risco de contaminação da covid-19. E eu sou grupo de risco”, pontua.
Ela considera “irritante” o fato de pagar por um serviço que passa longe do satisfatório. “As contas chegam, pago R$ 44 porque a gente tem que pagar, mas também tenho que comprar carro-pipa pagando R$40 por mil litros. Isso não é justo. Ou pago um ou outro. O Ministério Público deveria tomar uma providência”, protesta Hosana. “Isso tudo por uma coisa que a gente tem o direito. Se fosse de graça eles tinham obrigação de mandar água, porque de qualquer modo a gente paga impostos. E além dos impostos a gente ainda paga a conta. É obrigação deles nos manter com água”, destaca.
A localidade de “Jaboatão Velho”, em Jaboatão dos Guararapes, também sofrem desde sempre na relação com a Compesa. E a mudança de calendário tornou o problema ainda mais grave. Por lá o abastecimento já era escasso, já que eram intervalos de 15 dias sem água. Este período de “seca” agora subiu para 20 dias.
Mas nem após 20 dias de espera a população recebe o prometido. Miriam Oliveira, de 60 anos, conta que a espera tem superado os 20 dias. “E quando ela chega é muito amarelada, com pouca força. Passa dois ou três dias com água, mas não adianta muito, porque os nossos reservatórios nunca são suficientes para aguentar mais de 20 dias sem água. Era melhor que fosse só um dia com água, mas que tivesse intervalos menores, a cada cinco ou oito dias”, sugere ela.
Oliveira conta que vive no bairro de Vista Alegre há 40 anos e “sempre foi assim, sempre nos deu dor de cabeça”, reclama. “Anunciam de uma forma e fazem de outra. Aí não temos confiança de que terá água naquele dia, ficamos sem saber qual é o dia certo e temos que ligar para a Compesa. Isso atrapalha todos os nossos compromissos. Quem trabalha fora precisa já deixar tudo pronto se a água chegar, mas é difícil se você não tem certeza da água”.
Ela menciona ainda que no início da pandemia, em abril de 2020, a Compesa fez um serviço numa casa vizinha e, por um erro, acabou cortando o abastecimento de água para sua casa. Miriam Oliveira ficou dois meses sem água – mas as contas chegaram. “Foi muito difícil, fiquei pedindo água ao vizinho. Liguei nove vezes para o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) da Compesa pedindo por favor que consertassem, mas só fizeram o serviço dois meses depois, em junho. E ainda deixaram a rua esburacada. É um grande desrespeito.
A presidente da Compesa, Manuela Marinho, disse que a companhia está investindo em ações para ampliar a oferta de água à população e aumentar a segurança hídrica do sistema. Ela destaca que 30 novos poços devem se somar ao sistema ainda no primeiro semestre, alguns sendo reativados e outros novos a serem perfurados.
Em resposta à matéria, a Compesa reafirma que as dificuldades de abastecimento decorrem da pouca quantidade de chuvas na RMR. A empresa afirma estar investindo cerca de R$ 20 milhões “para ampliar a oferta de água e para trazer mais segurança hídrica aos sistemas”, mas não detalha se alguma das ações deve melhorar o abastecimento nas localidades citadas. A assessoria de imprensa da Compesa mencionou ainda a coloração da água, sem detalhar os motivos, mas pede que os clientes liguem para a empresa.
“A questão pode estar relacionada aos ajustes para programação do sistema no novo calendário de abastecimento da RMR, no entanto a Compesa vem realizando descargas na rede para mitigar esse impacto. Porém, é necessário que os moradores registrem a ocorrência na central de atendimento ao cliente (0800 081 0195), fornecendo dados como matrícula, para que uma equipe seja enviada ao local e realize o diagnóstico da questão”, diz a nota enviada ao Brasil de Fato.
Edição: Vanessa Gonzaga