Em “O quarto de Giovanni”, James Baldwin de forma primorosa nos apresenta a noite parisiense dos anos 1950, com o esplendor romântico necessário, boemia banhada a glamour, bebidas, erotismo e o triste do amor proibido vivido por dois homens. David, jovem americano que vai à França aguardar Hella sua namorada que está na Espanha juntamente a um pedido de casamento que deverá ser respondido em seu retorno, e Giovanni, italiano, garçom de um bar, o personagem que dá nome ao livro.
A obra confunde-se com a história do autor. Baldwin traz o tema da sexualidade para o centro do enredo, assim como conflitos paternos, referenciando suas experiências, uma forma de resgatar amores não vividos em sua plenitude por culpa ou negação da relação entre dois homens em uma sociedade lgbtfóbica. Quase uma retratação pública sua e de muitos.
Publicado em 1956, a obra é narrada em primeira pessoa por David, que traz seu presente e seu passado, conflitos internos e a intensidade da paixão vivida no quarto de Giovanni. Para além da descoberta de sua sexualidade, o personagem conhece uma Paris desconhecida até o momento, mas que poderia ser em qualquer outro lugar do mundo onde um determinado grupo oprimido se reúne, onde são aceitos, ou o local de acolhimento onde se pode ser quem é.
Esse romance está longe de ser fácil, a complexidade dos personagens, a maestria da descrição dos locais, dos sentimentos de David que duram várias páginas, do estado psicológico que se encontra o casal, as histórias que permeiam e são tão nossas que é possível imaginar e ligar o livro com o cotidiano.
É um livro para se ler ao som de Calabar: o elogio da traição ou Chico Canta (1973), disco que virou peça de teatro, um musical escrito por Chico Buarque e Ruy Guerra, censurado na ditadura militar. Acredito que Giovanni tatuou a história de David e foi uma cicatriz risonha e corrosiva, assim como Chico canta em “Tatuagem”. Nunca é tarde, nunca é demais e em “Barbara” lemos as páginas melancólicas das noites vividas no Quarto de Giovanni. “Não existe pecado ao sul do equador”, como o romance se passa na Europa, é mais uma paixão não vivida por completo em detrimento do desvio que é ser e sentir o proibido pelos caretas.
Baldwin é gigante como suas obras. Ele, um homem negro, homossexual, da periferia de Nova York escreve e isso, também torna-se um ato de resistência. É também por sua história que sua obra demorou a se popularizar. “Giovanni” foi o título da primeira edição no Brasil, agora, sua última edição pela Companhia da letras ganha o título “O quarto de Giovanni”, interessante, curioso e incrível saber o que se vive em quatro paredes, em um quarto nasce a obra de James Baldwin, é muito para uma sociedade patriarcal.
Edição: Monyse Ravena