Em 16 de agosto de 2020, o país inteiro voltou seu olhar para o Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (o CISAM), localizado na zona norte do Recife. A unidade de saúde foi invadida por grupos religiosos e parlamentares na tentativa de impedir o procedimento de aborto legal em uma criança de 10 anos vítima de estupro,que tinha vindo do Espírito Santo por determinação judicial.
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O médico obstetra e diretor do Cisam, Olímpio Barbosa de Moraes Filho, relembra que foi ao local por causa da confusão e ficou decepcionado “É inadmissível o que aconteceu naquele dia 16, principalmente por parte de movimentos religiosos e políticos, que deviam eles ser nosso motivo de orgulho; e não só, eles que fazem as leis deveriam respeitar as leis do País. Eu fiquei muito decepcionado e envergonhado; e como gestor de saúde, médico e professor, fui extremamente agredido. Mas a punição que eu conheço até agora é só a avaliação da população”, recorda.
Na frente do hospital, foram vistos os deputados estaduais Clarissa Tércio (PSC), Joel da Harpa (PP), Cleiton Collins (PP) e Alberto Feitosa (PSC); bem como os vereadores Renato Antunes (PSC) e Michelle Collins (PP).
À época, o Conselho Tutelar do Recife foi até o local averiguar a situação e tomou as providências legais, como afirma o conselheiro tutelar André Torres “Nós decidimos de forma coletiva e unânime que teríamos que dar continuidade ao acompanhamento da situação, assim como acompanhar ao Ministério Público como Notícia de Fato, que foi feito, e às respectivas casas legislativas, a Câmara Municipal e a Assembleia Legislativa de Pernambuco, porque haviam seis parlamentares”.
Apesar da ação do conselho, André assegura que nada foi encaminhado até agora “Passados seis meses, nós ainda não temos, eu ainda não fui chamado para nenhuma audiência, não temos a devolutiva de nada que foi feito até agora. A certeza que a gente tem é que nós protocolamos e provocamos oficialmente os devidos órgãos e seus fiscalizadores”.
No Brasil, o aborto ainda é criminalizado pelo Código Penal, mas existem excessões em que o procedimento pode ser realizado. Por exemplo, quando a gravidez é fruto de violência sexual. Foi esse o caso da criança de 10 anos, que era violentada desde os 6.
A manifestação que aconteceu em frente ao hospital pode gerar um debate jurídico, como explica a advogada criminalista Caroline Rêgo Barros “O fato deles terem ali se reunido na frente do hospital para rogar ofensas tanto à menor, quanto à equipe médica, isso existe sim implicações jurídicas. Alguns crimes como o crime de ameaça, o crime de calúnia, o crime de injúria conseguem ser caracterizados; e acredito que também deva haver uma responsabilização dos parlamentares que ali deixaram de cumprir o seu dever enquanto representantes do povo”, conclui.
Edição: Monyse Ravena