Para as culturas originárias, a alegria é dom divino como força de resistência.
Até hoje, em alguns lugares, um dos jogos mais comuns entre grupos de amigos que se encontram é uma espécie de campeonato de mímica. O grupo se divide em duas equipes. Os/as companheiros de uma equipe combinam entre si algum tema ou assunto e chamam alguém da equipe adversária e lhe encarrega de transmitir uma palavra ou assunto através de gestos e mímicas para os seus/suas companheiros/as de equipe para que tentem decifrar o que a mímica quer dizer. Há grupos que jogam horas e horas interpretando com mímicas canções da MPB. Outras vezes, são títulos de filmes ou novelas. Outras vezes podem ser atitudes de vida.
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Em um desses jogos, alguém começou a dançar e a se mover com muita expressão de alegria. O pessoal da equipe tentou adivinhar. Um companheiro gritou: - Festa. A moça que fazia a mímica fez sinal de que não era isso. O jogo continuou. Outra pessoa interpretou: - Quadrilha de São João. Não era. Um menino se aventurou: - Eu sei: Carnaval! Não era também e a equipe perdeu. O certo teria sido: “culto afro” ou “Candomblé”.
Alguém protestou: - Assim não vale. Como a gente poderia imaginar que dança e alegria tivesse a ver com religião e com culto?
Para aquele grupo e para muita gente no mundo, se alguém quiser interpretar em gestos de mímica um culto ou oração teria de tomar atitudes de recolhimento, olhos fechados, cabeça baixa, mãos unidas em atitude de súplica. No entanto, na maioria das tradições indígenas e afrodescendentes, o culto se faz em roda de dança, com som de tambores, atabaques ou maracás. E as pessoas acreditam que o Espírito vem brincar de roda e dançar com seus filhos e filhas na alegria do amor.
A tradição cristã não nos ajudou a ligar Deus com alegria. Na música que se chama “Partido Alto”, Chico Buarque canta:
“Deus é um cara gozador, adora brincadeira
Pois pra me jogar no mundo, tinha o mundo inteiro
Mas achou muito engraçado me botar cabreiro
Na barriga da miséria, eu nasci brasileiro...”
Hoje em dia, no meio de todos os sofrimentos e problemas pelos quais passamos, um dos mais importantes sinais de que assumimos a espiritualidade libertadora é cultivar em nós a opção da alegria, mesmo em meio aos conflitos e às dores de cada dia.
As pessoas podem ser de temperamento naturalmente mais alegre ou podem já ter mais dificuldade em achar graça das coisas simples da vida. O importante é que, seja como for, todos/as podem ter alegria como opção de fé. Este tipo de alegria não pode ser confundida com prazer ou otimismo fácil. É simplesmente opção de vida, motivada pela confiança de que, mesmo no meio da dor e da luta, se temos amor, temos alegria.
A alegria não é só para quando se está bem. Quem já foi a algum país dos mais pobres da África sabe que até quando as pessoas vão à rua protestar, fazem isso dançando e brincando. Para as culturas originárias, a alegria é dom divino como força de resistência. No Brasil, quem convive ou encontra irmãos e irmãs que moram na rua, sabe que, mesmo em meio a muitas dificuldades, encontram força para sorrir e manter o humor. Intuem que a alegria é a força que cura e nos dá energia para nos fortalecer interiormente e nos reanimar uns aos outros.
Conforme a Bíblia, no século VI antes de Cristo, quando os judeus cativos voltaram da Babilônia, começaram a reconstruir Jerusalém e o templo. Os sacerdotes juntaram a multidão e leram para todos o livro da aliança de Deus. O povo começou a chorar e bater no peito. O governador Neemias, que coordenava aquele encontro, disse às pessoas: “Não chorem. Voltem para casa. Façam uma boa comida e festejem, porque a alegria divina é nossa força” (Ne 8, 10).
Mais tarde, conforme o quarto evangelho, durante a última ceia, Jesus disse aos discípulos e discípulas: “Eu vos disse essas coisas para que vocês tenham a minha alegria e esta alegria seja perfeita” (João 15, 11).
Edição: Vanessa Gonzaga