Apostando em estimular um cenário de caos em meio à pandemia, aprofundando a crise no país, o presidente Jair Bolsonaro tem usado empresas estatais de importância estratégica como moeda de troca na política. Em alguns momentos, para agradar o “Centrão” ou sua base social, noutros momentos para agradar o empresariado, também chamado de “mercado”.
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Na última semana a mudança na presidência da Petrobras desagradou o empresariado, que respondeu derrubando o preço de mercado da empresa brasileira. Para acalmá-los, Bolsonaro respondeu apresentando propostas que caminham na direção da privatização da Eletrobras, empresa estatal responsável pela geração e controle de todo o sistema elétrico nacional. A privatização se estende a todas as subsidiárias, como a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf).
Sobre o tema, o programa televisivo Central do Brasil (do Brasil de Fato em parceria com a TVT) entrevistou o deputado federal pernambucano Danilo Cabral (PSB). O parlamentar é líder do seu partido na Câmara Federal e preside a Frente Parlamentar em defesa da Chesf.
Na conversa, Cabral avalia que a proposta é prejudicial ao país, mas tem grandes chances de aprovação no Congresso. Para ele o momento é de união política dos que se opõem à medida e a necessidade de mobilizar a sociedade para se posicionar. O socialista considera que a privatização do sistema elétrico é, além de um ataque à soberania nacional, uma ameaça à segurança hídrica dos nordestinos que foram beneficiados pela Transposição do São Francisco.
Brasil de Fato: Na semana passada o governo Bolsonaro editou dois projetos de lei e uma medida provisória (MP) visando privatizar a Eletrobras. Ao mesmo tempo, no Congresso Nacional, temos o protagonismo do “Centrão”, aliado de Bolsonaro. É o ambiente ideal para Bolsonaro conseguir privatizar a Eletrobras?
Danilo Cabral: Essa não é a primeira tentativa. Já vivenciamos isso noutros momentos. Inclusive a nossa Frente Parlamentar em Defesa da Chesf surge [em 2017] justamente como uma reação, ainda durante o governo Temer, quando houve a primeira tentativa de privatização da Eletrobras e consequentemente das empresas vinculadas a ela.
Estamos falando da venda de uma empresa lucrativa, que teve o lucro de R$24 bilhões só em 2020 e que o Governo Federal pretende vender por pouco mais de R$16 bilhões. Isso significa não só a entrega do nosso patrimônio, mas a perda de soberania. E uma consequência direta na vida das pessoas, que é o aumento da conta de energia. O que nos cabe agora é reorganizarmos as nossas forças, nossas lutas, para que façamos novamente esse embate e imponhamos uma derrota ao governo.
BdF: Essa tentativa de privatização é uma demanda do ministro Paulo Guedes, um privatista. Mas a conjuntura na Câmara, favorável ao governo, é também favorável à medida?
Cabral: O governo de fato deu uma arrumada na sua base política no Congresso Nacional. No início do governo Bolsonaro vimos que o presidente tentou estabelecer um diálogo com a Câmara e o Senado através de eixos ou frentes parlamentares, setores específicos. Mas ele viu que teria dificuldade de tratar temas sobre os quais precisasse dialogar com a média do Congresso. Ele mudou de estratégia e montou uma nova base política em que o principal aliado dele é o “Centrão”. Vimos isso nos resultados da eleição das mesas diretoras da Câmara e Senado.
Então o cenário exigirá de nós uma capacidade maior de mobilização da sociedade. Nós teremos dentro do Congresso um ambiente favorável ao avanço dessas pautas. Não é só a privatização, mas também a retirada de direitos, cortes de políticas públicas, o que chamamos de desmonte do Estado brasileiro.
Para que possamos impor uma nova derrota ao governo é fundamental a nossa unidade, a unidade do campo político e das diversas frentes parlamentares que temos dentro do Congresso Nacional. Temos frente da Eletrobras, da Chesf, de Furnas... temos umas seis ou sete frentes que militam nesse ambiente e precisamos garantir a nossa unidade, que se reverbere nas nossas bases políticas, para garantir a resistência e a luta. É isso que vai fazer o governo sofrer uma nova derrota.
BdF: O presidente Bolsonaro entregou pessoalmente a Medida Provisória 1.031/2021 no Congresso, um gesto político para comunicar que realmente tem intenção de privatizar. Você é presidente da frente parlamentar em defesa da Chesf, subsidiária da Eletrobras. Qual o impacto da privatização da Eletrobras para a Chesf e a população do Nordeste?
Cabral: Vender a Eletrobras é entregar ao capital privado a condução de toda a política energética do Brasil. Nenhum país civilizado e desenvolvido do mundo faz isso, porque é uma questão de soberania. Quando falamos em vender a Chesf, eu digo que a gente vai entregar ao privado a chave da “caixa d'água” do Nordeste, porque o rio São Francisco é isso. E vender a Chesf é vender o rio São Francisco.
O São Francisco é o principal ativo da região. É responsável não só pelo desenvolvimento econômico, com a água que chega para a irrigação da fruticultura, mas é também responsável pela sobrevivência de 12 milhões de nordestinos que, com a obra da Transposição, ganham acesso a água e, em caso de privatização, não mais terão certeza se receberão água em suas casas. Vender a Chesf é entregar a chave dessa caixa d'água para o privado, para administrarem essa água a partir da lógica de busca do lucro. E não temos como ter certeza se a empresa vai se orientar pelo interesse público.
BdF: A oposição reagiu. O PDT ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra a MP de Bolsonaro. Há alguma expectativa sobre o julgamento dessa ADI?
Cabral: Na outra vez que se tentou privatizar a Eletrobras nós também fomos à Justiça e tivemos do próprio Supremo uma decisão importante: uma possível venda precisa passar pelo Congresso Nacional – porque o governo queria justamente fazer exclusivamente através de MP. Na nossa visão essa MP [de Bolsonaro] não preenche os requisitos que fundamentam o instrumento medida provisória, que são urgência e relevância.
Edição: Vanessa Gonzaga