Pernambuco

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Lições que vêm do rio

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No final do ano passado, o IBGE publicou que Recife era a capital mais desigual do país - Andrea Rego Barros/PCR
Há algum tempo, a disparidade social por essas bandas de cá não é acidente

Um passeio bom que tem no Recife é você pegar um barquinho ali na Praça do Baobá, no bairro das Graças, e ir até o Marco Zero da cidade. Rola ir de grupo pequeno, combinando um preço legal com a turma que desenrola navegar. Quem é mais animada pode até levar um isanô com brebotes e uns dibebê pra alegrar ainda mais o percurso.

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Navegar pelo Rio Capibaribe na nossa cidade é divertido. Mas é também uma pancada no juízo. Ver o Recife ‘de dentro pra fora’ (salve, Kátia Mezel, salve João Cabral) chacoalha o pensamento. 

É prédio elegante jogando esgoto no rio, gente morando em palafita, colchão boiando. E também é gente pescando seu sustento, capivara intimidada se escondendo do retrato curioso. Espigão olhando feio pra quem chega perto e menino magro acenando sorridente. Catinga de coisa suja, cheiro gostoso de mar quando vai chegando no centro.

Final do ano passado, o IBGE publicou que Recife era a capital mais desigual do país. Mas quem já passeou pelo rio não se espantou nadinha com a descoberta. Há algum tempo, a disparidade social por essas bandas de cá não é acidente. É política pública.

Como explicar, por exemplo, a escolha que o PSB fez em não universalizar a atenção básica, preferindo usar os recursos da saúde pra construir alguns equipamentos extraordinários como os hospitais da Mulher e do Idoso, além das tais Upinhas – via de regra instaladas em locais onde já havia Unidades de Saúde da Família. Do que importa 40% das pessoas que vivem aqui não terem acesso nem a agentes comunitárias de saúde?

E na educação? Como fazer propaganda de programas fantásticos de robótica e de até intercâmbio pro exterior numa cidade em que há mais de duas mil crianças fora da escola por falta de vagas? Num município em que mais de 80% das crianças não têm direito a creche? Puxado, né não?

Eu podia falar aqui de política de cultura (em que se gasta 80% com eventos), de comunicação (que gasta milhões com a mídia privada e muito pouco com a pública), de moradia (tem política de moradia na cidade?). Podia falar da generosidade do poder público com as grandes empresas e da dificuldade de se estabelecer parcerias com comerciantes populares ou mesmo políticas para a pesca. Onde você parar pra pesquisar, vai encontrar a mesma lógica: algumas políticas de excelência, muita gente de fora.

Enquanto eu escrevo essas mal traçadas, o coronavírus tá com a gota infectando e matando gente mundo afora. Nem o passeio no rio tá seguro mais (melhor esperar mais um pouquinho, tá?). No Brasil, diferente de qualquer outro lugar do mundo, a gente tem um presidente que joga a favor do vírus. A cada avanço da maior pandemia que a idade contemporânea já viu, o cabra que tá sentando na cadeira mais importante do país faz piada. 

Aqui no nosso cantinho, não dá pra dizer que nossos governantes jogam no time do miliciano. Mas como tudo da gente é hiperbólico, bem que tava na hora de um pouco mais de ousadia. Nada mais eficaz pra enfrentar um discurso autoritário que a democracia radical.  Contra o discurso de que as pessoas não podem contar com a mão (bem visível) do poder público, porque não colocar as pessoas, a maioria delas, no centro das decisões?

É nos momentos de crise que a gente mostra quem a gente é de verdade. Chegando perto dos seus 100 dias, quando a cidade canta seus parabéns, a ‘nova’ gestão da prefeitura do Recife, sob o comando do mesmo PSB ainda não parece perceber isso. Abraça-se com seus acertos, conscientemente ignora os equívocos. O rio tá aí todo dia mostrando isso pra a gente. É só abrir o coração e sentir.

Edição: Vanessa Gonzaga