O número de pessoas desempregadas chegou a 14,1 milhões no ano passado, é o que a aponta os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) 2020. E as trabalhadoras domésticas somam 1,7 milhões que perderam seus empregos. É sobre a saída das domésticas do trabalho formal e os riscos da informalidade que o Brasil de Fato Pernambuco conversou com a presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD), Luiza Batista.
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Brasil de Fato Pernambuco: Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de novembro de 2020, que apontam que um 1,7 milhões de empregadas domésticas foram demitidas no ano passado, no Brasil. O que é que esse dado tem a ver com a pandemia e com a crise econômica?
Luiza Batista: Tem tudo a ver. Desde o golpe de 2016 que o Brasil vem enfrentando uma crise geral, política, econômica, social, moral. Isso tem tudo a ver, por quê? Porque muitos empregadores também perderam seus postos de trabalho. E aí, quando essas pessoas perdem seus trabalhos, a primeira coisa que eles fazem é tirar o trabalho doméstico - se eles têm uma trabalhadora formalizada - eles rescindem o contrato e aí aquela trabalhadora pra não ficar sem renda, muitas vezes ela aceita trabalhar dois dias naquela casa e essas pessoas também já passam a arrumar outras casas, com seus conhecimento, mais um dia ou dois, pra que a trabalhadora não fique sem renda, porém, de uma maneira informal. Então, tem tudo a ver, a crise que o país vive.
E tem tudo a ver também, com a pandemia, porque durante esse momento, a MP 936, que permitia a suspensão do contrato de trabalho e a trabalhadora ficar em casa recebendo ou trabalhar o contrato parcial, em que ela poderia ir um ou dois dias por semana e receberia uma parte pelo empregador, outra parte pelo Governo. Mas infelizmente muitos empregadores estavam com a o contrato formalizado na carteira, mas com pendência nos recolhimentos de FGTS previdenciário. Então, quando isso acontece, a suspensão contratual não pode ser feita e aí muitos demitiram por conta disso. Para nós que representamos a nossa categoria foi é muito difícil, né? Está sendo muito difícil fazer esse enfrentamento, porque nós sabemos que pra criar postos de trabalho, para os trabalhadores domésticos, é preciso que outras categorias que têm condições de pagar uma trabalhadora doméstica, estejam no mercado de trabalho. E isso, infelizmente, nesse momento, não acontece. Então, a pandemia também ampliou algo que já vinha ocorrendo antes mesmo.
BdF PE: Algumas domésticas pra manter seu emprego diante desse cenário de demissão, tiveram que morar na casa dos patrões e acabaram intensificando a sua jornada de trabalho. Aqui em Pernambuco aconteceu o caso emblemático, de Mirtes Renata, mãe do menino Miguel, que morreu ao cair do prédio onde a mãe trabalhava. Como essa ida das domésticas pra morar no trabalho pode ameaçar os direitos trabalhistas delas?
Luiza: Primeiro que o trabalho doméstico não exige a permanência ou pernoite no local de trabalho. Ah, não ser quando é uma cuidadora de idoso ou babá, mas que isso já esteja estabelecido no contrato de trabalho. Então, o que aconteceu nessa pandemia? Muitas trabalhadoras que tiveram que permanecer em seu local de trabalho estão na informalidade, ou seja, elas não trabalham com a carteira assinada. Então, o empregador não poderia recorrer à Medida 936. E consequentemente, muitas pra não perder a única fonte de renda que é a subsistência dela e dos dependentes que ela tem, geralmente são filhos, uma mãe idosa, um pai idoso, e se submeteram a essa questão permanecer direto no local de trabalho. Em Pernambuco isso aconteceu muito, no Rio de Janeiro teve uma trabalhadora que ela ligou pra o sindicato de Nova Iguaçu falando que o empregador dela não ia permitir ela ir em casa por três meses. Isso é cárcere privado. O empregador que recorreu a esse expediente, ele cometeu o crime, ele manteve a trabalhadora em cárcere privado.
Aqui nós tivemos o caso emblemático, né? Nós tivemos um decreto de lockdown, onde o Governador de Pernambuco, Paulo Câmara, deixou o trabalho doméstico fora de atividades essenciais. O decreto foi de bom senso? Foi, sem sombra de dúvida, mas não foi respeitado. E como não é fiscalizado, né? Porque pra o trabalho doméstico, a dificuldade maior é a não fiscalização. Os sindicatos, quando recebem a denúncia não podem ir até o local de trabalho daquela pessoa que fez a denúncia ou de alguém, que fez a denúncia por aquela pessoa, porque pela Constituição a residência é inviolável, então só pode ser adentrada com a permissão da pessoa que mora na residência. Então que acontece? Tivemos o caso da Mirtes que estava trabalhando, que trabalhou com covid-19. Foi contaminada pelo empregador, o Sérgio Hacker, e mesmo assim teve que trabalhar com covid. Levou o filho porque não tinha quem deixar, visto que ela e a própria mãe dela, trabalhavam na residência dessa família e aí aconteceu o que aconteceu, né? Até agora houve um inquérito que foi oferecido à denúncia apenas por abandono de incapaz e não o doloso eventual, né?
O Miguel tinha cinco anos, não era pra ter deixado sozinho dentro do elevado então isso escancarou pras pessoas de modo geral o quanto o trabalho doméstico é desvalorizado. E ele é desvalorizado, por quê? A maioria é mulher, a maioria é negra. Muitas trabalhadoras na informalidade e aí não, não se dá o devido valor. Mas, se existe mulheres no mercado de trabalho, é porque existem trabalhadoras domésticas dando o suporte que elas precisam pra estar no mercado de trabalho. E aí indiretamente nós contribuímos e muito com a economia do país. Apesar de muitas pessoas dizerem que nós não auferimos lucro a quem nos emprega. A gente não aufere aquele lucro direto. Como é uma loja, um restaurante, onde a pessoa entra, se alimenta, paga, na loja, entra, compra, paga e vai lá embora. Mas a gente aufere o lucro indireto. Então, é uma questão cultural de não valorizar o trabalho doméstico.
BdF PE: Algumas trabalhadoras acabaram indo para a informalidade, fazer bicos, trabalhar como diarista e afins. Como essa mudança do emprego com a informalidade na vida das domésticas?
Muda porque primeiro, tem isso de você está com tua carteira assinada, no teu local de trabalho, com a jornada de trabalho, garantida por lei, e você de repente, se vê sem esse emprego, que te dá uma certa proteção financeira e social. Aí você vai pra informalidade. O que mais preocupa a Fenatrad é que essas companheiras, essas trabalhadoras domésticas que estão trabalhando na informalidade, se elas tiverem algum problema de saúde, a quem elas vão recorrer pra ficar em casa e se recuperar? O auxílio doença, ela não vai ter, se ela não recolhe previdência social, ela não vai ter. Então, o tempo que ela estiver desempregada, doente, quem vai manter essa pessoa? E também a idade, porque disso ninguém tá livre, né? Vai chegando a uma idade que com o tempo você precisa parar, porque o teu corpo diz que você tem que parar, ou seja, você precisa de aposentadoria. Se você não para, se você não contribui para a previdência, como vai ser? Então, a preocupação maior pra informalidade nesse momento é, além do fato da trabalhadora doméstica não ter uma renda garantida, ela também não tem a proteção social. E isso é muito preocupante. E aí, a gente vê que nesse momento, com todos esses desmontes que está acontecendo no país, com todos esses retrocessos, como vai ser o futuro dessas companheiras? Ainda tem essa coisa dessa carteira de trabalho digital, nem todas trabalhadoras domésticas têm um celular que possam baixar um aplicativo, ela pode vir a perder esse ou ser roubada. E aí a carteira de trabalho dela digital tá lá. Como é que vai ser? E aquelas que não têm condição de comprar um celular com aplicativo. Como vai ser? Eu acho que todos se modernizam, mas tem coisas que não pode simplesmente de uma forma radical se extinguir.
Tem um dado de que a renda média das domésticas diminuiu e a carga de trabalho aumentou. O que significa na prática essa diminuição da renda e do salário na vida dessas domésticas?
A diminuição da renda, o salário, é aquela história, muitas vezes você tá numa situação, você avalia entre ficar totalmente desempregada, sem nenhuma fonte de renda, ou você aceita fazer um acordo com o empregador: ser demitida e depois trabalhar por um salário menor. Isso, na lei, não pode acontecer. Mas, infelizmente, a gente tem tido conhecimento de que tem acontecido bastante. Faz a rescisão e depois faz um contrato a parte, dizendo que ela vai ficar prestando serviço apenas três dias por semana. Nesse caso, a lei permite a redução do salário, ou seja, houve redução de carga horária, consequentemente pode haver redução de salário. Então, isso pra trabalhadora, ela perde renda, né? E muitas vezes ela aceita esse tipo de acordo, que não é correto, mas pra não ficar totalmente sem nenhum recurso financeiro.
E aí, geralmente, elas aceitam e os dias que elas ficam livres, elas buscam complementar a renda através de diária ou fazendo docinho, ou fazendo unha, porque muitas também fazem outros tipos de atividade. Situação difícil pra categoria e com essa crise que se instalou no país, a gente busca um fio de luz lá no fim do túnel, mas tá difícil. Mas aí a luta continua. A FENATRAD, no ano passado, fizemos três campanha de solidariedade. Chegamos a distribuir mais de quatro mil e quinhentas cestas básicas nos sindicatos. Esse ano a gente tá se organizando, vamos fazer o nosso planejamento agora. E nesse planejamento, a gente vai ver como é que vamos fazer esse enfrentamento. De ajuda humanitária e fazer o enfrentamento também nessa questão de orientar as trabalhadoras nesse sentido de que elas não percam um direito do que foi conquistado com tanta luta.
Edição: Vanessa Gonzaga