No Recife, os vereadores Dani Portela e Ivan Moraes, do partido do PSOL, protocolaram uma indicação ao prefeito João Campos (PSB) para que seja implementado um programa permanente de renda básica para famílias em situação de extrema pobreza, que vivem com renda mensal inferior a R$ 145 por pessoa. O projeto também foi defendido pelo prefeito quando este era deputado federal de 2019 a 2020.
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Inicialmente, o programa deve atender as 30 mil famílias recifenses registradas no Cadúnico, e estas receberiam entre R$ 300 e R$ 350. Para falar sobre o que representa a política, o Brasil de Fato Pernambuco entrevistou Rud Rafael, integrante da campanha "Renda Básica Recife", coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e militante da Frente Povo Sem Medo.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato Pernambuco: No último dia 06, os grupos que compõem as frentes Brasil Popular e a Povo Sem Medo lançaram um manifesto por um Programa de Renda Básica no Recife. Quem são esses movimentos que participam das frentes no Recife e que assinam esse manifesto? Qual o perfil desses grupos?
Rud Rafael: Esses grupos inicialmente partiram da Frente Povo Sem Medo e da Frente Brasil Popular, que são frentes nacionais de mobilização, formada por movimentos sociais, sindicatos, organizações não-governamentais, coletivos periféricos e de vários segmentos sociais que representam as maiorias da nossa população: a população negra, a população periférica, as mulheres; justamente movidos pela necessidade de dar uma resposta a essa conjuntura, que é de pré-convulsão social. Temos percebido o problema da fome, o aumento do desemprego, o avanço da pandemia e é compromisso dos movimentos sociais dar resposta a essa conjuntura, e inclusive já vinham desenvolvendo um conjunto de ações de combate a pandemia. Temos, por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que realizou e vem realizando uma campanha de solidariedade que já distribuiu mais de 200 toneladas de alimento e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que com o Mãos Solidárias distribuiu também várias toneladas de alimento.
Já vínhamos fazendo o debate pela campanha Fora Bolsonaro, pela vacinação, pela volta do Auxílio Emergencial de R$ 600, mas existe a necessidade de responsabilização dos gestores municipais e estaduais de enfrentamento dessa pandemia. Não adianta só retomar o debate sobre medidas mais restritivas do ponto de vista da circulação e da ampliação do isolamento social, sem acompanhar as políticas públicas, sem garantir as condições para que as trabalhadoras e trabalhadores estejam em casa em isolamento, seguros, tendo uma moradia adequada, mas também tendo condições de sobrevivência. Inclusive no contexto em que o valor dos alimentos deu uma disparada, a inflação é notada por todo mundo no preço do gás, do preço do arroz ao preço do açúcar. Então foi uma iniciativa de unidade que visa também dialogar com outros setores da sociedade. Foi só um ponto de partida, queremos fazer com que todo mundo de alguma forma abrace essa iniciativa da Renda Básica em Recife.
BdF PE: Você também mencionou que nessas frentes há muitas organizações comunitárias. O que é que têm sido observado dentro das comunidades, nas próprias ocupações, de luta por moradia? A fome realmente está chegando? Como as pessoas estão se virando para conseguir colocar comida na mesa nesse quadro todo?
Rud: Temos percebido muito fortemente o problema da fome voltando, pessoas revirando lixo nas comunidades, recorrendo a todo expediente para ter alguma coisa na mesa, tendo que fazer bico e superlotando os ônibus, que já são poucos. Inclusive, esse debate do transporte público e da água também são debates fundamentais para serem travados agora. Estamos vivendo um contexto de intensificação de racionamento que já existe historicamente no Recife, então esse é o momento.
Existe a movimentação pra constituição de uma frente parlamentar na Câmara de Vereadores, temos um prefeito que esteve à frente de uma de uma frente parlamentar no Congresso Nacional e se não há uma demagogia nesse gesto, queremos cobrar dele o compromisso de fazer acontecer. Nesse espaço que ele está gerindo R$ 3 bilhões de orçamento anual, que ele destine uma parte para as famílias que mais precisam nesse contexto de pandemia. A renda básica é um ponto de convergência dessas diversas necessidades que estão em jogo nesse momento, que é um momento extremamente trágico da nossa história e a renda básica aponta para um contexto minimamente de esperança.
BdF PE: Você poderia explicar de maneira resumida o que é a Renda Básica?
Rud: Não é uma questão só brasileira, vários países já têm avançado em um debate sobre a renda básica permanente. E precisamos acompanhar também a renda básica com outras políticas para pensar a melhoria das condições de vida das famílias trabalhadoras. A ideia é de que em um contexto da pandemia, lutemos pelo Auxílio Emergencial até o fim da pandemia, mas a ideia é que possamos avançar no entendimento de que a renda básica é um direito que precisa ser permanente, uma política de assistência. Temos o exemplo de Belém, que está fazendo um programa chamado "Bora Belém", que consegue garantir o valor de até R$ 450,00 pras famílias no sentido de afirmar a possibilidade dessa renda básica. Recife sendo a capital da desigualdade também tem que assumir esse compromisso.
BdF PE: Você mencionou Belém, que é a capital do estado do Pará. E é uma cidade que conta com um orçamento bem menor do que o Recife, mas está conseguindo fazer esse programa de renda básica, oferecendo R$ 450,00. Fala mais sobre isso.
Rud: Isso, sabemos que é um valor insuficiente, mas é o que está dentro das possibilidades hoje de Belém. E para Recife podemos apontar um debate, inclusive, de um valor maior. Precisamos abrir o orçamento público para debater o que é gasto hoje e fazer uma revisão de uma série de serviços. Por exemplo, serviço de limpeza urbana, isso já foi apontado inclusive pelo requerimento aprovado na Câmara de Vereadores do Recife. Então é esse o debate, a abertura para a população discutir as prioridades no orçamento público, que é um debate que já tivemos um avanço no Recife, que precisamos dar um novo exemplo. Esse precisa ser a ponta de lança de um processo de inovação e de renovação da democracia no país. Se avançamos nesse debate, nós conseguimos sair na vitrine da política, do que é possível fazer no contexto de uma negação tão forte da política, do papel do Estado.
BdF PE: Em 2020, o Congresso Nacional praticamente precisou obrigar o governo Bolsonaro a oferecer um auxílio emergencial de R$ 600,00, que depois foi diminuído para R$ 300,00. Agora, depois de muita pressão, o governo aceitou pagar um novo auxílio, mas com valores bem mais baixos, em torno de R$ 250,00. Como é que vocês das organizações da sociedade civil têm visto essa forma do Governo Federal de lidar com o problema do avanço da pobreza?
Rud: O governo Bolsonaro trata essa questão, por um lado, com um populismo mequetrefe, por outro lado, na base da chantagem política. O que foi feito no Congresso essa semana em relação a PEC Emergencial (PEC 186/2019) não pode ser tratado de outra forma. O ataque ao funcionalismo público, o ataque às prioridades, o ataque ao salário. Quando pensamos que o governo não pode ir mais fundo em relação aos ataques à classe trabalhadora, ele consegue mostrar que consegue ser mais perverso. Já houve a Reforma da Previdência, o debate do Teto dos Gastos, que não foi colocado de uma forma séria, como não deveria ter feito. A campanha Fora Bolsonaro, que produziu uma incidência forte nesse período vai ter também um conjunto de agendas no dia 18 (de março) debatendo a questão da renda básica no valor de R$ 600, que já é insuficiente. Você tem uma família que mora na periferia de qualquer capital, de qualquer cidade do Brasil, R$ 600 paga muito mal o aluguel, quanto mais alimentação e as outras necessidades.
Vamos ter agora no dia 18 um dia nacional de mobilização em relação ao Auxílio Emergencial e no dia 24 também um dia nacional de mobilização pelas agendas, que são nacionais: pelo Fora Bolsonaro, pela vacina pra todas e para todos e pelo Auxílio Emergencial no valor de R$ 600,00 até que acabe a pandemia. Claro que vamos apontar para um debate de renda básica, mas do ponto de vista emergencial o valor de R$ 600,00 é inegociável.
BdF PE: A Câmara de Vereadores acabou abrindo um grande espaço para esse debate da renda básica. Um grupo de vereadores forma uma frente parlamentar para debater especificamente esse tema. Qual a importância de ter o legislativo daqui do município com trabalhos voltados para essa temática da renda básica?
Rud: O legislativo já fez um apontamento em relação a isso quando aprovou o requerimento de autoria de Dani Portela e de Ivan Moraes em relação à renda básica e agora dá mais um passo em relação a esse compromisso, que é fundamental. O legislativo hoje, tanto do ponto de vista municipal, quanto nacional, deveria estar tendo esse compromisso com a população e esperamos que dessa frente parlamentar exista o compromisso e o avanço dessa pauta do Recife. Apoiamos totalmente a iniciativa e queremos que essa frente dialogue com a sociedade, com essa mobilização que está havendo por parte dos movimentos sociais, das organizações, para que avancemos conjuntamente nesta pauta.
BdF PE: Da mesma forma que cerca de 20 anos atrás o debate Bolsa Família fez muita gente achar que o Bolsa Família seria coisa de "vagabundo", infelizmente há quem acredite que as pessoas vão ficar relaxadas sem trabalhar, por causa de um recurso pequeno desse, mas acaba que é um recurso que custa pouco aos cofres públicos, mas que contribui muito a superar a fome, tirar as pessoas da condição de miséria e reduz a criminalidade, certo?
Rud: Acho que é retomar o patamar mínimo de dignidade que foi perdido nos últimos anos e todos os ataques aos direitos que foram construídos não só pelo governo Bolsonaro, que aprofundou isso em um nível inimaginável, mas já vinha acontecendo com o golpe. E precisamos retomar um pouco de esperança. Acho que o povo brasileiro hoje está sem perspectiva com esse desgoverno que está no poder. Com iniciativas como essa, nós conseguimos de alguma forma recuperar o sentido de coletividade na sociedade.
Edição: Vanessa Gonzaga