"Olho as três Marias, juntas, brilhando. Glória reluz, impassível, num raio seguro e azul. Maria José, pequenina, fulge tremendo, modesta e inquieta como sempre. E eu, ai de mim, brilho também, hei de brilhar ainda por muito tempo - e parece que a minha luz tem um fulgor molhado e ardente de olhos chorando."
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Raquel de Queiroz escreve seu primeiro romance em primeira pessoa, também pelo livro ter traços autobiográficos. A história é contada por Maria Augusta, ou Guta como prefere ser chamada, que sai da região do Cariri para estudar em Fortaleza em um convento, assim como a autora, no convento Imaculada da Conceição após sua saída da fazenda em Quixadá, situado no sertão central do Ceará.
Após a morte de sua mãe e o casamento de seu pai com sua madrasta, Guta vai estudar na capital do estado. Por suas trajetórias de vida se conversarem, a personagem é amparada por Maria José e Glória. Uma Freira por notar que elas não se desgrudavam apelidou o trio como "As três Marias" título do livro.
A mãe de Maria Augusta morreu na hora do parto, Maria José tem a história mais comum, seu pai abandona sua mãe, a própria e seus irmãos, vira "colecionadora de tristezas" como descreve a autora. Maria Glória é órfã, intitulada como a "aristocracia da tragédia", as meninas do convento acreditavam que o sofrimento de Glória havia findado, ela não tinha nada a perder, quanto mais tragédia, mais força. E tantas e tantas, tantas narrativas!
Após a saída do convento, Guta retorna para casa do pai, onde sua madrasta tenta educá-la para ser uma boa dona de casa. Ela não aceita, aquelas funções não lhe apeteciam. Então a personagem decide retornar a Fortaleza e tentar o concurso de datilografa em uma repartição pública. Raquel de Queiroz em diversos momentos traça a caminhada das mulheres -tão diversas- e subverte em 1939 o papel da mulher na sociedade.
A autora tece a linha do protagonismo feminino em um romance modernista em sua plenitude. Personagens complexas, construídas com perfeição a cada detalhe. Quanta riqueza literária!
Segundo Mario de Andrade, Rachel atingiu uma nobreza clássica em sua simplicidade e firmeza de dicção. A cristalização de sua arte, se ligando a mais alta tradição romanesca, a de Machado de Assis. “Este livro de Rachel de Queiroz é uma festa humana, naquele melhor sentido em que a beleza e a arte são sempre um generoso prazer. Festa completa e complexa, em que, dentro da libertação contemplativa e criadora, temos conosco sempre uma alma de carinho, alegre e dolorosa, profunda, sofredora, compassiva, grave”.
Rachel precisa ser lida e exaltada, assim como tantas escritoras brasileiras.
*Louise Xavier é estudante e militante do Levante Popular da Juventude
Edição: Vanessa Gonzaga