Na semana em que o Golpe Militar de 1964 completa 57 anos, o Brasil de Fato Pernambuco relembra as memórias de quem resistiu à ditadura em Pernambuco no campo, na cidade e em diversas outras frentes de luta. Confira hoje a história da primeira desapropriação para reforma agrária no país, que aconteceu em Pernambuco através das Ligas Camponesas, que foram duramente perseguidas durante a ditadura militar.
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No início da década de 1940, sob ditadura de Getúlio Vargas, o Partido Comunista (PCB) contribuía na organização política dos trabalhadores rurais. O militante pernambucano Gregório Bezerra, recém-liberto, chegou a contribuir na tarefa. Mas a criminalização do comunismo, em 1947, que cassaria o mandato de deputado federal do pernambucano, também desestruturou a atuação das Ligas.
Mas os trabalhadores rurais seguiam sofrendo com exploração, miséria e todo tipo de violações. Com algumas cabeças que já possuíam experiência política, um grupo destes camponeses que trabalhavam no Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata pernambucana, fundaram, em 1954, a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPPP) e se declararam continuadores dos trabalhos das Ligas.
Líderes da SAPPP do Engenho Galileia se dirigiram ao Recife em busca de um advogado e político que simpatizava com os camponeses: Francisco Julião Arruda de Paula. Ele, descendente de grandes proprietários de terra no Agreste do estado, era conhecedor e estudava as condições sociais, culturais e econômicas do camponês do Nordeste. Julião acabara de ser eleito deputado estadual, o primeiro do Partido Socialista (PSB) em Pernambuco.
A SAPPP representava as 140 famílias arrendatárias que viviam em pequenos sítios no Engenho Galileia, pagando ao proprietário pelo uso das terras. A Sociedade Agrícola tinha por objetivos iniciais prover assistência médica, educacional e jurídica às famílias; evitar o endividamento das famílias com o latifundiário; e auxiliar esses camponeses com despesas funerárias.
Como advogado Julião passou defender a SAPPP e a participar da vida política da organização. Eles obtiveram vitória na Justiça em 1958, naquela que seria apontada por alguns como a primeira desapropriação legal para fins de reforma agrária no Brasil. As 140 famílias ganharam, através da SAPPP, a propriedade daquelas terras. A vitória reverberou entre camponeses de Pernambuco e em estados vizinhos.
Enquanto as Ligas se fortaleciam, principalmente no Nordeste, o país vivia uma turbulência na política institucional, com os militares ansiando um golpe. Getúlio Vargas já havia se suicidado (1954) para não ceder a pressões políticas dos militares; depois Juscelino Kubitschek (1956-60) também sofreu pressões das Forças Armadas, mas concluiu seu mandato; Jânio Quadros (1961) só aguentou 7 meses; e João Goulart (1961-64) acabaria deposto pelos militares.
Em meio a tudo isso, o casal João Pedro Teixeira e Elizabeth Teixeira conseguiarm reunir 7 mil camponeses no interior paraibano naquela que se tornou a maior Liga Camponesa do país, a “Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Sapé”, na Paraíba.
No Recife, Alexina de Paula Crêspo, esposa de Julião, era responsável pelas relações internacionais das Ligas, construindo relações políticas diretamente com líderes socialistas como Fidel Castro, em Cuba, e Mao Zedong, na China. As atividades preocupavam o serviço de inteligência dos EUA.
O ambiente político de ameaça conservadora contra as organizações populares contribuiu para que latifundiários paraibanos encomendassem o assassinato de João Pedro Teixeira, em 1962, num episódio que viraria filme, anos mais tarde: “Cabra Marcado para Morrer” (1984). Elizabeth Teixeira viveu na clandestinidade por 20 anos. Hoje, com 96, vive em João Pessoa (PB).
No Recife, a residência de Alexina e Julião foi alvo de tiros e ameaças contra seus quatro filhos adolescentes, que acabaram enviados para Cuba, onde ficaram sob responsabilidade de Fidel Castro por uma década. Filhos de outros militantes das Ligas também foram mandados para a ilha.
O golpe militar de 1964 tornou ilegal a atividade das Ligas. A ditadura assassinou pelo menos 1.200 camponeses no Brasil. Muitos outros podem não ter tido suas mortes registradas. As Ligas foram destroçadas.
Francisco Julião teve seu mandato cassado no mesmo dia 1º de abril. Ficou clandestino na zona rural de Goiás até ser preso. No ano seguinte conseguiu habeas corpus e se exilou no México, onde viveu até a Lei da Anistia (1979). Voltou ao Brasil, passou menos de 10 anos e retornou ao México, onde passaria seus últimos anos. Faleceu em julho de 1999 e seu corpo está enterrado em Cuernavaca, no México. Os filhos ainda esperam conseguir trazer os restos mortais para enterrar no Recife.
Edição: Vinícius Sobreira