Se estamos na mesma tempestade, definitivamente não estamos no mesmo barco

O mês de março carrega um peso significativo e simbólico, pois, na Roma antiga, era o primeiro mês do ano e se chamava Martius, vinha de Marte, o Deus Romano da Guerra, é neste mês que referenciamos o dia internacional de luta de todas as mulheres – data marcada como expressão de uma série de lutas e conquistas de direitos –, temos ainda o dia de combate à discriminação racial e o dia mundial da água. É nesse mês que está sendo o mais letal desde o início da pandemia da Covid-19, que estreia nosso primeiro artigo como colunista.

São tempos sombrios, há aproximadamente um ano foi contabilizada a primeira morte por Covid-19 no Brasil, atualmente somos destaque mundial como sendo o epicentro da pandemia, batendo recordes de mortes diariamente e somando mais de 300 mil vidas perdidas. A conjuntura nos faz vivenciar a maior crise sanitária, econômica, ambiental e, por que não dizer, política de todos os tempos. Ao longo dessa pandemia a principal ação do Governo Federal é aprofundar a retirada de direitos do povo do campo, das águas, das florestas e das cidades.

As perdas se acumulam e os retrocessos são incalculáveis: desmonte do SUS, da Previdência Social, da educação. O desgoverno genocida passa como um rolo compressor por sobre o povo brasileiro, e, como bem sabemos, sobre as pessoas mais vulneráveis a essa pandemia que estão nas periferias das cidades e no interior do estado, no campo e na cidade. Elas se encontram lá sem acesso à água potável, ao saneamento básico, à alimentação; portanto, se estamos na mesma tempestade, definitivamente não estamos no mesmo barco.

Enquanto as políticas públicas para amenizar as desigualdades sociais chegam primeiro na região metropolitana, aqui no interior de Pernambuco estamos sobrevivendo em busca do básico: água.

Segundo Apolonia Gomes, da Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú, nenhuma cisterna foi construída em Pernambuco no ano passado, o orçamento para o programa de cisternas foi o menor desde a criação do programa em 2003. A perspectiva para esse ano de 2021 é ainda mais devastadora. A construção de uma cisterna permite que uma família possa ter água potável durante os 8 meses anuais de seca. Nas zonas rurais da maioria dos nossos municípios no interior não há água encanada e o acesso à água potável se faz ainda por meio de caminhões-pipa, o que nos leva a uma política de aprofundamento ainda maior da desigualdade social baseada no assistencialismo.

A redução dos recursos para programas como este coloca a população rural em uma situação de maior vulnerabilidade frente aos impactos ambientais ocasionados pelas secas recorrentes e por crises sanitárias, como a da covid-19. Programas como o de construção de cisternas, quando precarizados, atingem negativamente a vida de todos, porém, mais violentamente, a vida das mulheres.

As mulheres têm uma forte ligação com a água, ligação esta construída socialmente pelo patriarcado através da divisão sexual do trabalho, que impôs a nós mulheres as tarefas domésticas, lavar as roupas e os pratos, cozinhar, banhar os filhos, buscar água na cabeça para dentro de casa. Essa construção social precisa ser revista e vencida para que conquistemos a divisão igualitária do trabalho doméstico.

Dizer que as mulheres são as guardiãs das águas, romantizando esse conceito, é fechar os olhos para o necessário recorte de gênero, o que tornaria esse artigo incompleto. Na tentativa de encontrar maneiras de minimizar os impactos da falta de água, nós, mulheres, devemos nos unir em associações, sindicatos, cooperativas, grupos e coletivos. Precisamos estar articuladas em Rede, no campo e na cidade, a fim de conquistar e exercer o direito e o acesso à água. Precisamos dar as mãos e estarmos juntas, afinal somos como as águas, nos fortalecemos quando nos encontramos.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal

 

Edição: Vanessa Gonzaga