A Páscoa de Jesus tem incidência na promoção da dignidade de cada pessoa humana
O Senhor disse a Moisés: “Eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor por causa dos seus opressores; pois eu conheço as suas angústias . Por isso eu desci a fim de libertá-lo das mãos dos egípcios, e para libertá-los eu vou fazê-lo subir a uma terra boa e vasta… Agora o clamor dos filhos de Israel chegou até a mim e também vejo a opressão com que os egípcios os estão oprimindo. Vai, pois, e te enviarei à Faraó para fazer libertar e fazer sair do Egito o meu povo. ” (Ex 3,7-10).
Esta passagem bíblica é a manifestação do compromisso de Deus com o Povo. É o anúncio da Páscoa dos Hebreus. É a profecia da Páscoa Definitiva a ser inaugurada com a Morte e a Ressurreição de Jesus. Jesus, humano conosco. Jesus, Deus com o Pai e o Espírito Santo. Páscoa jubilosamente celebrada hoje, Domingo da Ressurreição.
Na Páscoa da Antiga Aliança Deus liberta seu povo da escravidão tirânica do faraó opressor. Na Páscoa da Nova e Eterna Aliança Deus liberta seu povo do pecado e da escravidão da morte eterna. Pecado de cada pessoa e o pecado social das desigualdades e das injustiças que ainda hoje sofre o povo de Deus, muito mais agora em tempos de pandemias e pandemônios. Vamos, então, à luz do capítulo três e versículos de sete a nove do livro do Êxodo, ler, refletir e sentir o próprio Deus e sua ação Pascal Libertadora.
Eu vi a miséria do meu povo. Em Jesus, o Emanuel - Deus conosco - Deus vê com os olhos humanos de Jesus e com seu olhar divino a nossa miséria. Aquela miséria inerente à nossa condição humana de seres famintos, sedentos, carentes, necessitados, incompletos e inacabados. Falo aqui no sentido existencial da palavra e não a miséria no aspecto financeiro. Mas Deus ver igualmente a miséria socioeconômica do seu povo e da natureza destruída e devastada, sua Criação. O Evangelho do Ressuscitado nos convoca às bem-aventuranças da justiça e da paz. O homem novo e a mulher nova renascidos na Páscoa, ressuscitados com Jesus Cristo pelo poder do Espírito Santo só serão novos de verdade, se forem instrumentos das exigidas transformações econômicas, sociais, culturais e ambientais, sem excludentes e excluídos, sem opressores e oprimidos. Sem faraós.
Eu conheço as suas angústias. Deus sabe de nossas angústias, Ele é também carne de nossa carne e ossos de nossos ossos. Ele é o Verbo Encarnado angustiado no Monte das Oliveiras e no monte do Calvário. Deus não é um Deus distante, indiferente, desligado e desinteressados de nós. Um sarcástico. Ele confessou na sua angústia suprema que a carne é fraca. Não era um ensinamento de Deus para os homens. Era uma confidência do Deus feito carne que confidenciava que a carne é fraca. Deus conhece muito bem a dor da depressão. “Minha alma está perto perturbada até a morte”(Mc 14,34). Ele nos dias de sua vida terrestre ofereceu súplicas ao Pai, por nós, com clamor e lágrimas (Hb 5,7). Deus chora! ( Jo 11, 35). Jesus Chorou cantam Mano Brown, DJ KL Jay, Ice Blue e Edi Rock do Racionais MC’s. Deus conhece a pobreza, o preconceito e a discriminação de ser o Nazareno e Galileu. Quem são nazarenos e galileus de hoje? Nós conhecemos? Conhece a tortura na prisão e a morte de cruz. “Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles, e dos torturados, como sendo-o vós mesmos também no corpo” (Hb 13,3).
Deus tem fome e sede. “Tive fome e me deste de comer tive sede e me deste de beber... tive preso e me foste ver” (Mt 25,35-36). Ele gritou na cruz “tenho sede!” (Jo 19,28). Deus conhece as nossas angústias e sofre os nossos sofrimentos muito mais do que nós sofremos com as nossas dores.
Eu desci a fim de libertá-lo. O Filho desceu do céu e veio à terra. Desceu até aonde nós tínhamos descido nas trevas do pecado e da morte. Desceu até o homem e a mulher em suas condições humilhantes, degradantes, vexatórias, desumanas e cruéis feridos em sua dignidade de pessoa, seja enquanto indivíduo ou membro de uma sociedade. Desceu à terra, “a Criação geme como em dores de parto esperando também a glória e a condição de filha de Deus” ( Rm 8,22). Desceu até debaixo da terra, na chamada “mansão dos mortos”, aonde estavam, na imagem alegórica bíblica os nossos primeiros pai e mãe, Adão e Eva. Aliás, existe uma Antiga Homilia do Sábado Santo do século IV sobre essa descida. Sugiro a leitura. É para mim um dos textos mais bonitos da literatura universal. Se no último Domingo de Ramos o papa Francisco nos disse que “ Jesus sobe à cruz para descer ao nosso sofrimento” , podemos dizer também que ele desceu à terra para nos levantar para terra e, além da terra, o céu.
Eu vou fazê-lo subir a uma terra boa e vasta. Aquele que morreu e ressuscitou subiu aos céus em sua ascensão. Nós que com ele morremos e ressuscitamos, também com ele subimos aos céus. (Ef 2,6). Somos agora terrestres e celestes. Humanos e divinos. Já subimos pelo batismo, mas vai chegar um dia, quando, da hora de nossa páscoa definitiva, em que subiremos para esta terra boa e vasta do céu para sempre numa festa que nunca se acaba. Dom Helder Camara, nas Missa dos Quilombos, com Dom Pedro Casaldáliga e Dom José Maria Pires, Milton Nascimento e Pedro Tierra, reza a Nossa Senhora: “Pede ao teu Filho que esta festa não termine aqui, a marcha final vai ser linda de viver. ... Mariama, Mãe querida, nossa Mãe!”. Outra dica. Procure no youtube e se arrepie do começo ao fim!
Festa! Contudo, não somos alienados nem alienantes. A Páscoa de Jesus tem incidência na promoção da dignidade de cada pessoa humana e na preservação do meio ambiente. Ele faz subir os que estão sofrendo violações de seus direitos civis, políticos, econômicos sociais culturais e ambientais. Daí o nosso compromisso de, enquanto ressuscitados com Cristo promover, proteger e reparar os Direitos Humanos na sua indivisibilidade e interdependência e o direito da Mãe Terra à vida. Todo desenvolvimento econômico e social só é legítimo quando sustentável.
Como concluir essa nossa partilha? Bendito seja Deus que nos vê, nos conhece, desceu até nós e nos fez subir com Ele. A sua Páscoa é nossa Páscoa.
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal
Edição: Vanessa Gonzaga