Sua vigência pode ser usada para perseguir, torturar e matar o direito à livre manifestação
A Lei de (in)Segurança Nacional 7.170/1983 volta a rondar a democracia em razão do uso elevado por parte de Bolsonaro. Nos últimos dois anos, uma série elevada de pedidos de abertura de inquéritos foram apresentados pelo presidente com base na LSN para calar e perseguir servidores/as públicos/as, jornalistas, artistas, intelectuais, políticos/as e todos/as aqueles/as que discordam e fazem críticas ao seu governo. Para comprovar a afirmação, no ano de 2018 foram abertos 18 inquéritos baseados na LSN. Já sob o atual comando, entre os anos de 2019 e 2020, o número de processos saltou para 77.
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A LSN foi instituída na década de 1980, no contexto da ditadura militar para tentar salvaguardar o regime totalitário, que estava se definhando em razão dos ventos democráticos que sopravam no mundo e na América Latina. Supostamente, e bota supostamente nisso, a LSN só deveria ser aplicada em casos que atentassem contra a integridade territorial e a soberania nacional; o regime representativo e democrático; a federação e o Estado democrático de Direito; e contra os chefes dos poderes da União.
Não é de se estranhar que Bolsonaro, superfã do regime ditatorial e do torturador-mor Brilhante Ustra, recorra a uma legislação dos anos de chumbo para censurar e perseguir seus/suas opositores/as e críticos/as a fim de se blindar e blindar seu governo. É sabido que o ex-militar assume o comando do país após o golpe parlamentar, jurídico e midiático de 2016, mas isso não significa que ele pode se utilizar desses expedientes autoritários como se estivesse em plena ditadura militar. Recentemente, ele afirmou que “chegará o momento” de “medidas duras” e circulam informações na grande imprensa sobre declarações suas, como se pretendesse decretar Estado de Sítio.
Fã do AI-5, recentemente seu governo solicitou e a Justiça Federal autorizou o Exército a festejar o 57º aniversário do Golpe de 1964, que a partir de 31 de março, por mais de longos 20 anos, torturou mais de 20 mil pessoas e outras mais de 400 foram mortas ou desapareceram, conforme relatório da Human Rights Watch. Mas não só ele vem se utilizando de dispositivos autoritários. Em fevereiro de 2020, por exemplo, causou espanto a decisão do então ministro da Justiça, Sergio Moro, de usar a LSN para abrir um inquérito sigiloso contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Aliás, juiz sentenciado de parcial e suspeito pelo Supremo Tribunal Federal, nas decisões relativas à Lava-Jato contra Lula, cujas sentenças foram todas anuladas.
Escrita em cinza chumbo, a LSN é um entulho autoritário que deve ser removido de nossa legislação por claramente não se ajustar à nova ordem constitucional, já que limita os princípios fundamentais do Estado democrático de Direito, consagrados pela Constituição de 1988, sobretudo, porque sua vigência pode ser usada para perseguir, torturar e matar o direito à livre manifestação e à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa e a jovem democracia brasileira.
Nesse sentido, sou absolutamente favorável ao PL 3.864/2020, que pretende instituir a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito a fim de garantir a integridade e o pleno funcionamento dos poderes, revogando assim a LSN. O projeto apresentado pelo deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) foi criado para proteger a democracia e não para subjugar críticos/as e opositores/as. A proposta segue os moldes de legislações existentes em países que passaram por momentos de totalitarismo e superaram como Alemanha, Portugal, Áustria, Bélgica, Uruguai, Argentina, Chile e Itália. Além de revogar a LSN, o PL pretende tornar crime o uso da violência decorrente de arma de fogo ou da ameaça da sua utilização, como instrumento para intervir na estrutura do Estado Democrático, de modo a produzir instabilidade no funcionamento dos Poderes. Se o crime for praticado por um militar, da ativa, reserva ou reformado, a pena é aumentada e acumulada com a perda do cargo ou da função pública e da patente.
Há ainda ações ajuizadas no Supremo Tribunal Federal (STF) por partidos políticos requerendo à Corte que declare a LSN, seja integral ou parcialmente, incompatível com a ordem constitucional vigente, já que viola o Estado Democrático de Direito e a liberdade de expressão e de pensamento. A ADPF 799, por exemplo, adota o mesmo argumento, mas afirma que há dispositivos compatíveis com a Constituição que devem ser mantidos, para não prejudicar a defesa da ordem democrática pelo Poder Judiciário, especialmente no momento em que sofre “graves ataques”.
Esse assunto que já em está em discussão na sociedade brasileira e será brevemente debatido na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, instância a qual presido atualmente. Por fim, argumento que à luz da Constituição de 1988, ninguém pode usar qualquer que seja a lei para legitimar ataques às instituições democráticas, à imprensa, às ditas minorias e a indivíduos nem para incitar o ódio, a intolerância e a violência. Viva a Democracia!
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal
Edição: Vanessa Gonzaga