Pernambuco

Coluna

Insurreição revolucionária e ressurreição

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"Essa é a vocação das Igrejas cristãs: ensaiar uma nova forma de comunhão humana. Essa missão transcende as fronteiras e muros das Igrejas" - Jade Azevedo / MST PR
No coração de muita gente, os gritos de Páscoa ressoam teimosamente

Nesta semana, as Igrejas cristãs celebram a Páscoa, quando, no Brasil, já ultrapassamos mais de doze milhões de pessoas que contraíram o coronavírus e a cada dia sobe descontroladamente o número de pessoas falecidas. Em tal contexto, não parece ter sentido em insistir em fazer festa. No entanto, a festa encerra em si mesma algo de terapêutico e profundamente humano que está no coração de todas as culturas. 

Até hoje, nas comunidades judaicas, a Páscoa é chamada “Pezah zeman herutenu” : “a estação da nossa libertação”. O cristianismo fala de “festa da Ressurreição”. A forma e o conteúdo das celebrações variam, mas a raiz é a mesma. Na Páscoa judaica se recorda a noite na qual, antigamente, o Senhor libertou os hebreus da escravidão. Os cristãos celebram essa memória e acrescentam o memorial da morte e ressurreição de Jesus. Ser cristão/ã é testemunhar ao mundo a energia da ressurreição, atuante em Jesus e por seu Espírito, em todas as pessoas que o acolhem.

Infelizmente, ao penetrar na cultura grega, a força revolucionária da mensagem pascal foi espiritualizada e de certa forma muito atenuada. Na Bíblia, o termo ressurreição sempre aparece como sinônimo de levantamento. Ressuscitar é levantar para a vida e para a liberdade. O termo começou a ser usado para expressar a restauração da liberdade do povo. Atualmente, o Cristianismo da Libertação recupera este fato que ressurreição significa uma nova insurreição (daí vem re- insurreição) e não apenas para cada pessoa individualmente mas para o mundo e em todas as dimensões da vida. Jesus o usou para indicar a vida nova que o Pai lhe deu, mas também a energia divina para transformar o universo e renovar a vida de toda a humanidade.

No mundo, os poderes da morte continuam agindo. A sociedade dominante se mostra cada vez mais cruel e sem compaixão. Celebrar a Páscoa não vai mudar mecanicamente esta situação social, política e econômica. Não transformará os corações empedernidos de quem promove ou apoia as desigualdades sociais e a injustiça estrutural sobre as quais a sociedade se baseia. Mas, no coração de muita gente, os gritos de Páscoa ressoam teimosamente. No meio das mais áridas paisagens, as flores resistem. Mesmo a lagarta mais asquerosa é chamada a uma mudança radical. Rompe o casulo, ganha asas para voar e se transforma em uma linda borboleta. É símbolo da vocação de todo ser humano para o caminho pascal da liberdade. 

O nosso saudoso mestre e profeta Pedro Casaldáliga dizia que a missão dos discípulos e discípulas de Jesus é espalhar ressurreição pelo mundo. Essa missão se realiza quando se opta por viver em comunidade como parábola de um mundo novo. Essa é a vocação das Igrejas cristãs: ensaiar uma nova forma de comunhão humana. Essa missão transcende as fronteiras e muros das Igrejas. Quem, como os companheiros e companheiras do MST, durante esta pandemia, organiza a solidariedade às pessoas e comunidades mais vulneráveis testemunha a ressurreição. Quem luta pela democratização da água como bem comum da humanidade e de todos os seres vivos cultiva ressurreição. Quem luta contra a energia nuclear e defende o progresso humano com justiça e a partir dos mais vulneráveis semeia ressurreição. Quem no dia a dia refaz os pequenos gestos de carinho e cuida dos sinais de delicadeza entre as pessoas e com todos os seres vivos testemunha ressurreição. 

Em cada atitude desta, é o próprio Jesus ressuscitado que se revela vivo entre nós. Mesmo com o corpo ferido e as chagas abertas nas mãos, nos pés e no peito, está vivo e resistente. Seus discípulos se alegram em vê-lo vivo e lembram sua palavra: “Filhinhos, no mundo vocês sempre terão aflições. Tenham coragem: eu venci o mundo”(Jo 16, 33).  

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal

 

Edição: Vanessa Gonzaga