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Fé adulta em uma Igreja subversiva

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Estátua de homenagem a Bonhoeffer, que é considerado um dos maiores teólogos cristãos do século XX - Keoki Seu
É difícil compreender alguém que se diz cristão e mantém posturas de ódio e intolerância

Em todo o mundo, a realidade da pandemia revela que este modelo de sociedade não funciona mais. Isso se tornou mais ainda evidente no Brasil que se transforma em grande cemitério. Entre nós a Covid teve como principais aliados a sociedade fundamentada nas desigualdades  sociais e em um governo feliz em facilitar o trabalho do vírus assassino. Em tudo isso, um dos elementos mais escandalosos é o apoio por parte de setores das Igrejas a essa política cruel e assassina. 

É verdade que, no passado, as Igrejas foram cúmplices de impérios, das conquistas e do sistema de escravidão de índios e negros. No entanto, em nossos dias, é difícil compreender alguém que se diz cristão e mantém posturas de ódio, intolerância e pratica violência em nome de Deus.  

Neste contexto é bom recordamos a vida de dois mártires cristãos, vindos de Igrejas evangélicas, mártires desse sistema. No dia 04 de abril de 1968, nos Estados Unidos, era assassinado o pastor batista Martin-Luther King por defender os direitos civis da população negra. No 09 de abril de 1945, no campo de concentração de Flossemburg, na Alemanha, foi enforcado o pastor Dietrich Bonhoeffer por ter se colocado contra o nazismo e pregar que a Igreja só é cristã se se opuser a qualquer política totalitária de ódio e se assumir a defesa  de negros, judeus e minorias oprimidas. 

Luther King afirmava: “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons. Mais do que a violência de poucos, me assusta a omissão de muitos”. 

Quando em 1933, na Alemanha, Hitler chegou ao poder, muitos bispos, padres e pastores acolheram favoravelmente o nazismo. O grupo dos "cristãos-alemães" tornou-se porta-voz da ideologia nazista dentro da Igreja. Pastores chegaram a pedir que se eliminassem das Bíblias o Antigo Testamento, escrito por judeus. Assinaram o compromisso de não só ordenar como ministro de Igreja pessoas brancas e de raça ariana. A Igreja se dividiu em duas. A maioria se mantinha favorável ao regime. Bonhoeffer se opôs e organizou a resistência política dentro das igrejas. 

Chamava-se Igreja Confessante a minoria de pastores e comunidades que se opunham ao nazismo e se pronunciavam contra a prisão e assassinato de judeus, comunistas e homossexuais perseguidos pelo sistema. Em 1943, Bonhoeffer foi acusado de ajudar um grupo de judeus a fugirem da Alemanha. Na prisão, Bonhoeffer escreveu livros e uma coleção de cartas. Ali ele afirmava: “Ninguém que tenha fé cristã tem o direito de se refugiar na dimensão religiosa e, assim, não assumir posição crítica frente ao que está acontecendo”.  Foi libertado, mas, em julho de 1944, foi preso novamente, desta vez por ter participado de um atentado contra Hitler. Desta vez, foi condenado à morte e acabou executado. 

Bonhoeffer é considerado um dos maiores teólogos cristãos do século XX. Ele viveu a fé engajada no mundo em uma ação social crítica e libertadora. Essa espiritualidade o levou a dar a sua vida como mártir contra a política assassina. Denunciou um modelo de Igreja ligado ao poder político opressor. Ele rejeitava um deus tapa-buraco das necessidades humanas, ao qual recorremos quando não conseguimos resolver nossos problemas. 

Este homem de profunda espiritualidade pregava contra uma piedade que nos tira do mundo. Propunha “viver na intimidade de Deus, mas como se Deus não existisse”. Isso significava assumir uma responsabilidade de adultos que não precisam de Deus para ser pessoas dignas e solidárias. 

A celebração da Páscoa pode nos ajudar a viver isso. Conforme a fé cristã, a partir da ressurreição, o Cristo não está nos templos. Está em nós para nos tornar mais humanos/as e capazes de amar. 

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal

 

Edição: Vanessa Gonzaga