Pernambuco

ENTREVISTA

Abril Indígena: “Não temos o que comemorar diante desse cenário”, diz Marcos Xukuru

Impedido de tomar posse como prefeito, o cacique da etnia Xukuru elenca as lutas indígenas prioritárias em Pernambuco

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Marcos Luidson, o "Cacique Marquinhos", lidera o povo Xukuru da Serra do Ororubá, em Pesqueira - Ororubá Filmes

Durante todo o mês de abril as etnias indígenas de todo o país organizam uma jornada de ações de mobilização conhecida como Abril Indígena. Para além da demarcação das terras e fim dos conflitos com o agronegócio e a mineração, questão espalhada pelo país, as outras pautas políticas variam de acordo com cada comunidade. 

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Para entender quais são as lutas que vêm sendo construídas em Pernambuco, o Brasil de Fato PE conversou com Marcos Xukuru, que é cacique do povo Xukuru do Ororubá, nação indígena que reúne, em suas 24 aldeias, cerca de 20 mil habitantes da cidade de Pesqueira. Apesar de eleito para o cargo de prefeito na cidade em 2020, Marcos ainda não conseguiu assumir a prefeitura. Confira como anda o processo e as lutas do povo Xukuru no estado:

Brasil de Fato Pernambuco: Para você, o que representa ser indígena no brasil de 2021?

Cacique Marcos: É um momento de muita luta. Os povos indígenas historicamente sempre tiveram, todos os dias, pautas importantes, lutas travadas pela questão territorial. Hoje podemos dizer que não temos muito o que comemorar diante desse cenário todo, tendo em vista que a nossa existência sempre foi trabalhando uma perspectiva de melhoria da qualidade de vida e fazendo com que o Estado brasileiro cumpra o seu papel institucional, que é a demarcação das terras indígenas, a proteção desses territórios e garantindo aos nossos povos vida digna dentro desses espaços físicos. Ou seja, que tenhamos além do espaço recuperado, demarcado, homologado, as políticas públicas chegando de tal maneira e atendendo as necessidades dentro das especificidades que a própria Constituição nos garante enquanto indígena nesse país. 

BdF PE: O dia 19 de abril é considerado o dia de luta indígena e o mês como um todo é voltado para a saúde dos povos originários. Para você, qual a importância de dar destaque para essas datas e trazer o foco para as condições de vida dos povos indígenas?

Marcos: Dia 19 pra gente é um dia comum. Nós temos um mês inteiro que o movimento indígena estabeleceu como o "Abril Indígena", que é o mês onde temos oportunidade de dar maior visibilidade às lutas, às pautas do movimento e esse é o momento da gente dar destaque a essas violações que são cometidas pelo Estado brasileiro; à esse retrocesso que o Estado e o governo tentam por todas as vias, dentro de um processo de paralisação das demarcações das terras indígenas. O estado de Pernambuco é um pouco mais tranquilo, porque nós temos aqui em Pernambuco 55 mil indígenas, temos estabelecido uma organização forte e temos pautado essas políticas públicas que também tem correlação para com o Estado e municípios. Nós temos tido avanços importantes, mas isso não é a realidade do país como um todo. Por isso que nós temos e fazemos parte do movimento e temos pautado sempre essas lutas para dar visibilidade no tocante a esse retrocesso. Por isso também a gente tem medidas propositivas no Congresso Nacional, que tratam também da questão da flexibilização, da demarcação das terras indígenas, do avanço do agronegócio dentro das terras indígenas, a questão do desmatamento. São pautas importantes que o movimento indígena tenta fazer no cenário nacional, dando visibilidade para que nós tenhamos condições de que o Estado brasileiro possa se sensibilizar e a gente conseguir frear essas ações por parte do Governo Federal.

BdF PE: Existem 896.917 indígenas no brasil, mas apenas 517.383 viviam em terras indígenas e os outros 379.534 habitam territórios não-demarcados, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Após 521 anos de invasão dos territórios indígenas, como você observa essa situação atual da ausência de demarcação?

Marcos: É uma violência tamanha, porque mesmo passado mais de 500 anos nós ainda continuamos nessa luta para que o Estado brasileiro consiga regularizar, até porque a própria Constituição Brasileira delimitava um período que o Estado brasileiro regularizasse essa situação. Já passamos quase 30 anos da promulgação da Constituição até agora e ainda o Estado brasileiro tem esse déficit com os povos indígenas e uma violência crescente, porque na medida em que não se demarca, os povos indígenas precisam ocupar esses espaços. Então, as retomadas, reconquistas, as lutas travadas, assassinatos ocorrem, um processo de criminalização contra as lideranças, enfim, isso gera toda uma problemática para os povos indígenas. É muito difícil, mas isso não significa dizer que o movimento está paralisado. O movimento está ativo, pautando isso incessantemente no Congresso Nacional, nos estados, onde temos inserção, buscando essas mobilizações para garantir que tenhamos condições de êxito nessa grande luta dos povos indígenas. 


Ritual do povo Xukuru em Pesqueira (PE) / arquivo pessoal

BdF PE: Segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, são mais de 52 mil indígenas diagnosticados com covid-19 e mais de 1.000 faleceram da doença que atingiu 163 povos. Como você analisa as ações de combate à pandemia para os povos originários, bem como a sua vacinação?

Marcos: Com essa questão da pandemia, nós tivemos diversos problemas. Evidentemente, nós temos uma extensão territorial que diferencia. Isso varia de estado para estado e de gestor para gestor. Aqui em Pernambuco nós tivemos uma tranquilidade maior nesse aspecto, porque de forma imediata, as lideranças indígenas se mobilizaram. Nós tivemos barreiras sanitárias, fizemos internamente, em parceria com o distrito, distribuição de máscaras e álcool gel; ou seja, aqui em Pernambuco nós conseguimos dar uma resposta, dentro daquilo que era possível naquele momento. Em Xukuru, por exemplo, nós fizemos, inclusive, uma casa de apoio, recolhendo aqueles parentes nossos que foram contaminados; demos um tratamento diferente. Aqui em especial no território Xukuru, conseguimos dar uma estabilizada. Já conseguimos fazer com que 95% da população do território Xukuru fosse imunizada. Estamos aí para fechar o esquema completo dos restantes, porque teria que esperar autorização para fazer o processo de imunização das gestantes e das mães que estavam em lactação. Nós vamos fechar, se Deus quiser, rapidamente, 100% daquilo que está estabelecido pela Organização Mundial de Saúde, a partir dos 18 anos, que foram as pessoas que foram autorizadas para tomar a vacina.

BdF PE: Cacique, você pode contextualizar um pouco mais sobre a luta indígenas especificamente em Pernambuco? Quais têm sido as principais pautas e conquistas?

Marcos: Em Pernambuco, como eu disse, nós temos uma organização muito forte, em termos de movimento. Por exemplo, os avanços que nós tivemos na educação escolar indígena em Pernambuco: nós temos a Comissão de Professores Indígenas de Pernambuco  (COPIPE), onde a nossa educação é estadualizada, onde nós enquanto liderança e organização sócio-política assumimos uma responsabilidade de uma gestão compartilhada, muitos professores têm implantado uma educação específica diferenciada. Na saúde, nós não tínhamos médicos dentro do território, não tínhamos enfermeiros, não tínhamos absolutamente nada, era muito difícil a situação. E hoje estamos em uma situação bastante avançada nesse aspecto, de conseguir garantir e ter uma participação ativa dentro dos conselhos, que são criados e estabelecidos para a discussão da política de saúde, da política e da educação. 

Nós temos também em Pernambuco um grande avanço na questão da demarcação das terras indígenas, porém ainda temos alguns povos que ainda continuam na luta incessante pelo seu reconhecimento, e a grande dificuldade que nós temos encontrado nesse governo é a paralisação das demarcações e também uma perspectiva de retrocesso de direitos, e por isso a grande luta é a busca para um cenário mais nacional, que envolve não só os povos de Pernambuco, mas os povos indígenas do Brasil. 

BdF PE: Cacique, em 2020 você disputou e venceu a eleição à prefeitura contra a candidata Maria José, com 51,6% dos votos. Mas a Justiça eleitoral ainda não permitiu sua posse. Gostaria que você falasse como está o andamento do processo.

Marcos: Nós ganhamos aqui em Pesqueira e nossos adversários entraram com um pedido de impugnação de reajuste de candidatura, recorreram ao Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco. Lá nós tivemos uma disputa apertadíssima, perdemos de 3 a 4. Porém recorremos à Brasília, para o Tribunal Superior Eleitoral e estamos no aguardo da decisão de lá. Porém, houve uma decisão monocrática do ministro Kaio Nunes Marques em relação a um pedido feito pelo o partido do PDT, para discutir a melhor situação sobre a Lei da Ficha Limpa, que trata-se do tempo de inelegibilidade. Então, por conta dessa decisão de Nunes Marques, houve uma suspensão do nosso processo de julgamento, e que o ministro Barroso entende que é preciso esperar o julgamento do Supremo para poder voltar à pauta no TSE. Porque dependendo da decisão que for tomada no Supremo, automaticamente está eliminado o processo de julgamento. E enquanto isso aqui em Pesqueira, o projeto de vida que nós discutimos no processo de campanha, o nosso plano de governo, a nossa equipe está tocando aqui, através do prefeito interino, que faz parte do nosso grupo. E estamos no aguardo, esperando esse julgamento aqui em Pereira. 

Edição: Vanessa Gonzaga